sexta-feira, julho 16, 2004

O som da água no silêncio da noite à espera que a porta se abra, aguardando que a luz ilumine a entrada e que os sorrisos se abram num abraço de boas vindas, o motor do carro ainda a trabalhar, nós na expectativa, à espera de saltar lá para fora, a sonhar já com uns dias de sol, de espaço, de infância…. Era assim que começavam as férias na aldeia. Chegávamos quase sempre sem avisar, fora das horas marcadas, previstas, faladas, já noite, depois da hora de jantar.
Era uma lufa-lufa. Alguma coisa para os miúdos, fazer as camas, descarregar o carro. O dia tinha sido longo. Era-o sempre. Vínhamos de longe, no tempo em que Portugal era um país grande. Paragem em Lisboa e pronto, já não saíamos dali. Beijinhos, histórias, conversa, sorrisos e lá retomávamos viagem, agora até ao Porto, às vezes também havia pausa por ali. A invicta que me lembro era só arredores, casas, prédios, ruas cheias de miúdos com sotaque diferente (ai se me ouvissem hoje) …. O Porto era também S. Bento, Campanhã, Bolhão, ruas sempre inclinadas, escuras, estreitas, pouca luz, autocarros velhos, ovos estrelados, sim tenho memória de ovos estrelados….
Mas era quando via os meus avós a sorrir, a sair da cozinha que a nossa viagem acabava…. E no dia seguinte era andar por lá, ao sabor da calma do campo, ao ritmo das tarefas dos adultos e com a liberdade de entrar e sair sem abrir ou fechar portas.
Sempre associei as férias na aldeia, a verão, a lazer, a infância, a família, a avós. Depois foi difícil voltar lá.
Hoje, a fonte ainda é a mesma, a água a cair tem o mesmo som daquela memória de anos atrás, mas já ninguém abre a porta, já ninguém sorri à chegada. A casa é AINDA minha, mas está vazia.