terça-feira, julho 14, 2009

A Carta

Era uma carta com várias páginas. Uma letra perfeita, pequena, muito redondinha, meticulosamente simétrica. Várias páginas dobradas, escritas a tinta azul.

Chegou com a manhã no correio e mudou-me a vida inteira. Aninhei-me no sofá verde, junto à janela. Olhei o rio, uma gaivota cortou o céu e comecei a ler. À minha frente, surgiram palavras que me conheciam por dentro.

Li, reli e voltei a reler a carta. A carta que reunia tudo o que eu era, ali, numas quantas páginas, escritas a tinta azul. Sentada no sofá de veludo fiquei presa no tempo. Nunca me tinha olhado tão profundamente como naquela carta. Nunca ninguém encontrou a minha essência como aquelas palavras.

Quem me conhecia assim?

Quem?

Quem tinha ido tão longe dentro de mim?
Quem teria chegado primeiro do que eu, ao mais fundo do meu ser?
Quem teria respondido a todas as minhas duvidas e agora replicava ali naquela carta, a tudo, tudo o que eu sempre quis saber?
Quem sabia os meus segredos?
Quem sabia o que eu nunca disse baixinho ao ouvido de ninguém?

Os dias tomaram novos rumos, a carta passou a ser o meu mapa. O guia da vida nova que tomei a cada manhã. Sem dúvidas, sem hesitações, sem receios ou tristezas.

Depois.

Depois passou muito tempo até eu compreender quem escreveu a carta.
Uma tarde, no momento em que o sol tocou o horizonte, antes de desaparecer, no meio do som da vida que roça as árvores quando os pássaros voam em busca de comida, tirei a carta do bolso e finalmente percebi.

A carta tinha sido escrita por mim.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostei :)

Xana

2:28 da tarde  

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