quarta-feira, abril 05, 2006

fecha os olhos



Despi-me. Devagar. Assim, sem roupa, ao fim da tarde, no silêncio da casa, encontro-me. Nunca andei perdida, eu sei. Mas gosto deste ritual. De me saber nua, só, viva, o sangue a correr nas veias, a pele em contacto com a tarde. Escolho a música, abro as janelas, pego no meu livro e encolho-me no sofá macio.
Com o livro no colo adormeço. Sinto-te chegar. Desperto com vagar de sonhos turvos, enevoados de histórias.
Chamo-te. Toco-te com suavidade, sinto o teu calor através da camisa. Olho o teu pescoço desenhado, aninho-me. Abraça-me.
Fecha os olhos. Peço-te.
Fecha os olhos e ouve o silêncio.
Já não há música, só o barulho da cidade, só a tarde lá fora, só as minhas roupas caídas, só o livro esquecido, só o meu respirar quente no teu pescoço. Em ti.
Olhas-me. Na minha pele conto-te histórias. Poemas que escrevemos noutras tardes, noutros rituais. Palavras que ficaram gravadas aqui, não vês?
Fecha bem os olhos.
São palavras que me vestem por baixo da roupa. São o que eu sou, choram o que eu choro, riem quando eu rio.
Tiro-te os sapatos. Fecha os olhos. Prendo-te junto a mim no sofá macio. Fecha os olhos. Tremes.