quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Recordar leituras

Os olhos dela ilógicos na sua beleza desmesurada, persistem em não aceitar quanto de lógico eu lhe possa dizer. Segredo-lhe com a boca a subir-lhe as espáduas até à nuca, e da nuca até à concha do ouvido. Acabámos agora de ser, em cima desse divã gruta, gritos abafados da mesma praia submersa, raízes, ramos, folhas, frutos, da mesma árvore na horizontal
Estamos ambos de pé, estamos ambos nus. Diante do enorme espelho aí à largura dessa parede: e eu todo me escondo atrás do seu corpo. Assim lhe mostrando como só o seu corpo ali, merece reflectir-se. (…)
Ramos, raízes, folhas, frutos. E a gruta; e o grito. Nem tratámos, desta vez de alcançar o divã, Bastou-nos, defronte do espelho, o escasso rectângulo desse tapete. E dificilmente percebo, como conseguimos, no fim, içarmo-nos até esta poltrona. Encontramo-nos, no entanto, muito mais despertos do que supúnhamos: sentimo-nos leves, límpidos, alados, lúcidos, como depois de uma trovoada.

“Um amor feliz” de David Mourão Ferreira