terça-feira, fevereiro 08, 2005

Tudo no seu devido lugar

Levou anos a conseguir organizar um mundo perfeito.
Tudo no seu devido lugar.
Vivia dia após dia várias vidas paralelas, colaterais, transversais, sobrepostas, alternadas, mas nunca enlaçadas ou simultâneas.
Tudo no seu devido lugar.
Vidas curtas, cortadas, sincopadas, experimentadas segundo regras, normas, patamares e degraus.
Uma vida no amor outra na carreira, uma vida na amizade outra na família e ainda outras tantas vidas no lazer.
Quadros que nunca se cruzaram.
Tudo no seu devido lugar.
Por estas vidas atravessaram pessoas, conhecimentos, espaços, desejos, anseios, posturas que construíram nela muitas facetas, Por esta desfragmentação deliberadamente escolhida ela foi uma pessoa diferente a cada minuto, a cada contexto, a cada etapa.
Mas o preço desta escolha parece-lhe agora alto. A fadiga apoderou-se-lhe dos dias, negou-lhe o prazer e arrastou-a para dentro do turbilhão do devir. Já não tem vidas, só cenas sucessivas em que desempenha o seu papel decorado para o filme do imediato, apreendido nos minutos anteriores, esquecido nos segundos seguintes. Protagonismos já sem conteúdo ou significado, concretizados apenas para que tudo esteja no seu devido lugar.