Tarte de Maçã
Entrei. Esperei que eles se distraíssem e depois escondi-me atrás do restaurante de portas azuis, enquanto uma gaivota cortava os céus e concentrava atenções. O mundo fechou-se atrás de mim, prendeu-me no tempo. O barulho no porto abafou a minha ansiedade e o apito de um navio a chegar fez-me esquecer o bater do meu coração. O sol brilhava e os marinheiros perdidos por ali, cantavam… Virei-me e descobri um prado enorme que se estendia do rio até às casas mais acima. Verde, muito verde. Aqui e ali rodas de crianças que cantavam e dançavam.
A terra do Nunca dava-me as boas vindas. Estava calor, mas sabia bem, fazia-me esquecer o Inverno e a chuva dos últimos dias. Sentei-me num banco de madeira envernizada, ao lado de uma menina de vestido azul e lacinhos brancos. Ofereceu-me um rebuçado de mel. Doce, muito doce.
Fiquei à espera que o mundo viesse ter comigo, na expectativa de viver o que ali vim encontrar. Aguardei. Nada. Não aconteceu nada. Ao longe ouvi uma melodia que ondulava no vento. Levantei-me e segui o som. O vento trazia notas e sabores: tarte de maçã. Cheirava a tarte de maçã. Continuei a andar. Sabia onde queria ir.
A casa branca estava no mesmo lugar de sempre. A avó veio à janela e sorriu-me. Eu estava ali, parada, quieta, com os olhos a quererem soltar as lágrimas contidas a custo. A música tinha parado, era a avô que estava ao piano e agora à janela, imóvel, observava-me.
O barulho dos miúdos quebrou o silêncio. Olhei e vi-me. Pouco mais de um metro e trinta, passei a correr, de trancinhas e jardineiras de ganga, seguida de perto pelo Eduardo e pelo Pedro, os primos gémeos. A avó estranhou ver-me ali, parada no seu jardim. Atenciosa como sempre foi, até com estranhos, convidou-me a entrar. Percebeu que estava perdida, compreendeu que eu precisava de encontrar o caminho de volta.
Sentei-me à mesa, no meu lugar, sim, à esquerda do avô, foi sempre este o meu lugar. Em cima da mesa havia chá preto, tarte de maçã e leite com chocolate para as crianças… Lembro-me de querer provar o chá que a avó servia com cuidado no bule inglês que o avô comprou numa das suas viagens, mas os miúdos não bebiam chá preto. Lembro-me de acompanhar a avó e ficar a acenar enquanto o avô partia de navio para longe. Lembro-me de desejar partir com ele.
Agora, de volta à sala olho em volta. A lareira, as fotografias em cima da mesa pequenina, a tolha azul, o tricot esquecido em cima do sofá, as almofadas amarelas, os livros de histórias à nossa espera….
A avó não faz perguntas, olha-me ternamente e serve-me uma fatia de tarte. Eu, curiosa como sempre, entro outra vez na sala a pretexto de me servir de mais tarte. Fico, de olhos muito abertos a olhar-me. Sento-me no meu colo e pergunto quem sou. Sorrio e respondo-me que sou uma menina de trancinhas à espera de crescer e partir num navio para longe…
Á saída espreitei para o escritório, o avô estava lá. Dormitava na sua poltrona favorita. Pé ante pé, aproximei-me e dei-lhe um beijo suave na testa. Tinha tantas saudades do avô.
Já no jardim agradeci a amabilidade da avó. Antes de partir abracei-a com muita força e, naquele momento, posso jurar que ela me chamou pelo nome. O mesmo nome da menina de trancinhas e jardineiras de ganga que continuava a correr e a brincar no jardim, à espera de crescer e de partir um dia, num navio para muito longe….
Quando deixei o porto, quando passei pelo restaurante de portas azuis, no mesmo momento em que a gaivota rasgava os céus, quando o sol se punha no horizonte, percebi que podia voltar a casa. E o mundo abriu-se para eu entrar outra vez. Afinal, eu só precisava de um chá preto e de uma fatia de tarte de maçã da avó.
Entrei. Esperei que eles se distraíssem e depois escondi-me atrás do restaurante de portas azuis, enquanto uma gaivota cortava os céus e concentrava atenções. O mundo fechou-se atrás de mim, prendeu-me no tempo. O barulho no porto abafou a minha ansiedade e o apito de um navio a chegar fez-me esquecer o bater do meu coração. O sol brilhava e os marinheiros perdidos por ali, cantavam… Virei-me e descobri um prado enorme que se estendia do rio até às casas mais acima. Verde, muito verde. Aqui e ali rodas de crianças que cantavam e dançavam.
A terra do Nunca dava-me as boas vindas. Estava calor, mas sabia bem, fazia-me esquecer o Inverno e a chuva dos últimos dias. Sentei-me num banco de madeira envernizada, ao lado de uma menina de vestido azul e lacinhos brancos. Ofereceu-me um rebuçado de mel. Doce, muito doce.
Fiquei à espera que o mundo viesse ter comigo, na expectativa de viver o que ali vim encontrar. Aguardei. Nada. Não aconteceu nada. Ao longe ouvi uma melodia que ondulava no vento. Levantei-me e segui o som. O vento trazia notas e sabores: tarte de maçã. Cheirava a tarte de maçã. Continuei a andar. Sabia onde queria ir.
A casa branca estava no mesmo lugar de sempre. A avó veio à janela e sorriu-me. Eu estava ali, parada, quieta, com os olhos a quererem soltar as lágrimas contidas a custo. A música tinha parado, era a avô que estava ao piano e agora à janela, imóvel, observava-me.
O barulho dos miúdos quebrou o silêncio. Olhei e vi-me. Pouco mais de um metro e trinta, passei a correr, de trancinhas e jardineiras de ganga, seguida de perto pelo Eduardo e pelo Pedro, os primos gémeos. A avó estranhou ver-me ali, parada no seu jardim. Atenciosa como sempre foi, até com estranhos, convidou-me a entrar. Percebeu que estava perdida, compreendeu que eu precisava de encontrar o caminho de volta.
Sentei-me à mesa, no meu lugar, sim, à esquerda do avô, foi sempre este o meu lugar. Em cima da mesa havia chá preto, tarte de maçã e leite com chocolate para as crianças… Lembro-me de querer provar o chá que a avó servia com cuidado no bule inglês que o avô comprou numa das suas viagens, mas os miúdos não bebiam chá preto. Lembro-me de acompanhar a avó e ficar a acenar enquanto o avô partia de navio para longe. Lembro-me de desejar partir com ele.
Agora, de volta à sala olho em volta. A lareira, as fotografias em cima da mesa pequenina, a tolha azul, o tricot esquecido em cima do sofá, as almofadas amarelas, os livros de histórias à nossa espera….
A avó não faz perguntas, olha-me ternamente e serve-me uma fatia de tarte. Eu, curiosa como sempre, entro outra vez na sala a pretexto de me servir de mais tarte. Fico, de olhos muito abertos a olhar-me. Sento-me no meu colo e pergunto quem sou. Sorrio e respondo-me que sou uma menina de trancinhas à espera de crescer e partir num navio para longe…
Á saída espreitei para o escritório, o avô estava lá. Dormitava na sua poltrona favorita. Pé ante pé, aproximei-me e dei-lhe um beijo suave na testa. Tinha tantas saudades do avô.
Já no jardim agradeci a amabilidade da avó. Antes de partir abracei-a com muita força e, naquele momento, posso jurar que ela me chamou pelo nome. O mesmo nome da menina de trancinhas e jardineiras de ganga que continuava a correr e a brincar no jardim, à espera de crescer e de partir um dia, num navio para muito longe….
Quando deixei o porto, quando passei pelo restaurante de portas azuis, no mesmo momento em que a gaivota rasgava os céus, quando o sol se punha no horizonte, percebi que podia voltar a casa. E o mundo abriu-se para eu entrar outra vez. Afinal, eu só precisava de um chá preto e de uma fatia de tarte de maçã da avó.
1 Comments:
Adoro tarte de maçã. Quando vamos lanchar? Tomar um chá e uma fatia de bolo? Será que não vai parar de chover????? Nunca mais???
JA
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