terça-feira, julho 14, 2009

Neve

Eu não tinha mais de um metro. As mãos pequeninas aconchegadas nas luvas de lã, uma no bolso do casaco azul marinho, a outra na mão da minha mãe. Atravessávamos Paris. Lembro-me de uma ponte, do rio, do céu cinzento, muito escuro, do frio. Era cedo. A cidade tinha pouco movimento. Estávamos a caminho da escola. De repente começou a nevar. Os flocos brancos caiam devagar, e começaram a pintar as ruas de branco. Lembro-me de olhar o céu e ver milhares de pontos brancos a flutuar. Pensei que era magia. E foi.

Muitos anos depois, em Novembro de 2008 voltei a ver neve, muita neve. Fui para Montalegre em busca de paisagens brancas, e a magia voltou a ser a mesma. Já refreada pelos anos, já amortecida pelos pensamentos, já amaciada pelos sentires.

A neve sim.

A neve foi a mesma, mas nesse dia percebi que comecei a ser outra. A neve cobriu pinheiros, estradas, casas, monumentos, encheu as ruas de pessoas, de gargalhadas, preencheu o dia com lareiras acesas e olhos brilhantes e eu pressenti que algo estava a mudar. Percebi que só por querer, o caminho ficou comprometido. E ficou. E eu soube, enquanto voltei a ver a magia da aldeia do pai natal.
A Carta

Era uma carta com várias páginas. Uma letra perfeita, pequena, muito redondinha, meticulosamente simétrica. Várias páginas dobradas, escritas a tinta azul.

Chegou com a manhã no correio e mudou-me a vida inteira. Aninhei-me no sofá verde, junto à janela. Olhei o rio, uma gaivota cortou o céu e comecei a ler. À minha frente, surgiram palavras que me conheciam por dentro.

Li, reli e voltei a reler a carta. A carta que reunia tudo o que eu era, ali, numas quantas páginas, escritas a tinta azul. Sentada no sofá de veludo fiquei presa no tempo. Nunca me tinha olhado tão profundamente como naquela carta. Nunca ninguém encontrou a minha essência como aquelas palavras.

Quem me conhecia assim?

Quem?

Quem tinha ido tão longe dentro de mim?
Quem teria chegado primeiro do que eu, ao mais fundo do meu ser?
Quem teria respondido a todas as minhas duvidas e agora replicava ali naquela carta, a tudo, tudo o que eu sempre quis saber?
Quem sabia os meus segredos?
Quem sabia o que eu nunca disse baixinho ao ouvido de ninguém?

Os dias tomaram novos rumos, a carta passou a ser o meu mapa. O guia da vida nova que tomei a cada manhã. Sem dúvidas, sem hesitações, sem receios ou tristezas.

Depois.

Depois passou muito tempo até eu compreender quem escreveu a carta.
Uma tarde, no momento em que o sol tocou o horizonte, antes de desaparecer, no meio do som da vida que roça as árvores quando os pássaros voam em busca de comida, tirei a carta do bolso e finalmente percebi.

A carta tinha sido escrita por mim.

segunda-feira, julho 13, 2009

Clichés

Pode conseguir-se tudo na vida. Tudo. Desde que se esteja disposto a sacrificar tudo o resto.
Às vezes nem sempre fazemos o que é certo só para conseguir o que queremos.
Às vezes estamos prontos a fazer sacrifícios, só que nem sempre sabemos o que estamos a sacrificar.
Às vezes a vida pede-nos sacrifícios que não estávamos dispostos a fazer. Ou pior. Às vezes os sacrifícios que nos são apresentados não são aqueles que estávamos à espera.
Às vezes são as batalhas que nos escolhem. Às vezes essas batalhas são tão grandes que nos suplantam.
Às vezes o sacrifício que nos toca é muito maior do que aquele que estávamos preparados para aguentar.

e lugares comuns

Os momentos bons da vida, não são aqueles em que respiramos normalmente. Não são aqueles em que o coração bate alegre e despreocupadamente. Não. Os grandes momentos da vida são aqueles que nos arrebatam, que nos tiram o fôlego, que nos deixam suspensos num instante fugaz.

E então?

Poderia dizer-se que a menina está numa fase de avaliação, de introspecção, de reflexão? Não! A menina viu um episódio da anatomia de grey e gostou desta ideia de, às vezes, sermos só peões no jogo da vida.

terça-feira, julho 07, 2009

Pormenores

Encontrei, um dia destes, num blog uma lista de 100 itens que definiriam o quanto já fizemos, ou o tanto… Das 100 estabelecidas, já cumpri 45. Realizei e alcancei muitas outras que não estavam lá, e isto tudo para quê? Para pensar na vida?

Não.

Para achar que a vida pode ser tão interessante.Para perceber que há tanto que podemos fazer com o nosso tempo.

Que o mundo é enorme e os dias são pequenos.
Que o meu tempo deveria ser mais meu.
Que as pessoas enriquecem os dias. As pessoas com luz por dentro, que valem mesmo a pena.
Que são o conforto e a cumplicidade de todos os dias.

Deveria fazer a lista das 100 coisas que ainda vou alcançar, este ano, no próximo, depois, a sós, acompanhada, em grupo, porque os pormenores fazem o todo.
Devia fazer a lista dos momentos que me enchem os dias.
Devia contar que ontem comi as melhores rabanadas do mundo, que no Domingo morri de sono todo o dia, depois de uma noite de olhos bem abertos, partilhar que no Sábado chorei de tanto rir e que hoje vou a um concerto de um amigo.
Devia anunciar que o descanso do guerreiro está à porta, que o mar também é a minha alma gémea e que vou ter uma prenda da Estónia…e outra da Finlândia ;)

Na Quinta-feira reencontrei um momento que perdi há mais de cinco anos, na semana passada revivi a magia de Novembro e voltei a ter 13 anos, uma melhor amiga e segredos contados no escuro do jardim.