sábado, dezembro 31, 2005

2005 em concertos

Lula Pena
O concerto realizou-se dia 29 de Julho de 2005, na Capela da Misericórdia em Sines

A voz de Lula Pena, a vontade de a ouvir finalmente ao vivo, o calor abrasador do fim de Julho no Alentejo, a capela muito, muito cheia, as luzes intimistas, a guitarra dedilhada no silêncio entre a respiração da plateia atenta, a emoção… e eu perdida entre tantos anónimos a desfalecer…. A desmaiar e a lutar para manter os sentidos vigilantes.

Senti as pernas a esmorecer, invadiram-me suores frios, fui deixando de ver com nitidez, mas nunca deixei de a ouvir… a voz de Lula Pena ecoava na capela e ecoava em mim. Depois já não consegui estar de pé, mas sem nunca deixar de ouvir as canções pelas quais esperei tanto tempo. Esperei desde a primeira vez que ouvi a sua voz grave, diferente, forte, intimista num CD, numa noite de Inverno.

Finalmente, naquele concerto a magia estava toda ali. A guitarra, a timidez, a emoção, a simplicidade completaram o quadro que eu já tinha imaginado. O calor e a falta de ventilação do local fizeram-me desfalecer, mas no lirismo da minha memória ficou só a emoção do momento (exponenciada talvez pelo desfalecimento).

sexta-feira, dezembro 30, 2005

segura-te

segura-te a mim com força
aperta-me com alma
amarra-me, fixa-me, acorrenta-me, prende-me
à vida

quinta-feira, dezembro 29, 2005

um dia
.... cheguei ao pé de ti e perguntei.
Nunca te sentes sozinho? Sentei-me e fiquei. Sorriste. Li algures que as pessoas que sorriem são mais bem sucedidas na vida. Desde esse dia deixei de sorrir tanto, não quero pensar que o meu sorriso compra o sucesso, não quero pensar nas razões porque se abre o meu rosto num sorriso sentido, só quero que o que me ilumina invada a vida que vivo por inteiro. Que o sorriso comece nos olhos e nos lábios e manche tudo à minha volta.

Um dia cheguei ao pé de ti e pedi.
Não deixes que eu me vá embora! Não abras a mão que agarra os meus dedos pequeninos. Prendeste-me a ti, acorrentada às tuas mãos quentes e fortes. Fiquei quieta e ouvi-te cantar canções inventadas da cor do amor.

Um dia sentei-me ao pé de ti e estavas à minha espera.
Em silêncio abriste o livro e começaste a ler com voz segura e límpida “Tanto de meu estado me acho incerto/ Que em vivo ardor tremendo estou de frio/ Sem causa, juntamente choro e rio/O mundo todo abarco e nada aperto”.

Um dia nasceu o sol e estavas à minha porta.
Esperavas para me contar as histórias que pensaste enquanto seguravas a minha mão pequenina no bolso do teu casaco. Nesse dia passámos pelo jardim e percorremos com passos firmes a calçada que liga a casa à estrada velha, ultrapassámos o portão de ferro pesado e continuamos a andar.

Um dia abracei em ti o mundo inteiro.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

nunca conversámos

Nunca falo com ela, cruzamo-nos poucas vezes ao longo do ano. Vejo-a por cá durante as férias da funcionária que vem substituir. Nunca conversámos. Nunca.
Além de bom dia ou boa tarde só um até logo ou até amanhã.
Mas ontem, não sei se impelida pelo tão celebrado espírito de Natal, se por outra razão qualquer, talvez porque o tempo e a disposição o permitiram, virei-me para ela e perguntei.
-Então o seu Natal como foi? - Foi só uma frase, quase um cumprimento, não esperava nada mais do que a resposta habitual…
- O Natal? Passei a meia-noite a dormir na rua. Fui dar uma volta de carro, parei ali na rua atrás do tribunal e adormeci. Nunca como na noite de Natal. Nunca cozinho. Ando a passear sozinha, Não se vê vivalma. Parei ali para a polícia não me ver a dormir na rua….
Ingenuamente talvez, sempre pensei que quem estivesse sozinho ficasse em casa a consoar sem companhia, mas abrigado do frio e da solidão da cidade! Mas não.
Há quem prefira exorcizar demónios enquanto vagueia pelas ruas desertas, há quem goste de olhar para as luzes acesas das casas e fique a imaginar famílias felizes, estruturadas e politicamente correctas, de sorrisos rasgados à espera do bacalhau e das prendas embrulhadas em papel colorido e laços brilhantes.
- Nunca como. Também emagreço uns quilos – E riu alto. Depois voltei para casa, chorei até adormecer. Quando acordei já era dia, estava sol, fumei um cigarro e fui passear.
Não há mágoa na voz, não há tristeza, só há uma história de vida de pobreza, de solidão, de desamor e abandono. Não há família. Há muitos “namorados” que passam por uma vida estéril, nunca ficam, não há laços, não há calor. Há uma criança que vive com o pai. Há uma casa e um emprego que surgiu com a ajuda das instituições da cidade. Há desenvoltura e uma voz rude, há uma vida dura e áspera que sempre confundi com falta de educação…
Hoje veio aqui de propósito e conversámos.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

O meu país

Em tempo de pré-campanha para as presidenciais 2006 não me apetece escrever sobre política, não me apetece vestir o fato completo, muito clássico, de analista política, não me apetece. Apetece-me antes falar de Portugal.
Discordar do país coitadinho e do fado triste.
Divergir do país de corruptos e oportunistas.
Apetece-me falar de um Portugal que deve levantar-se e crescer.
Está na hora.

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, dezembro 22, 2005

retalhos açucarados de uma manhã qualquer

Escuta-me, tenho tantas histórias para contar.
Vou ouvir-te como se a tua voz fosse a minha.
Acredito em desafios, em percursos… em bons ventos.
Acredito na força das coisas frágeis.
Consigo distinguir-te até de olhos fechados.
Não gosto de plateias, a minha vida é no palco.
Rio-me e lanço a minha arma secreta.
O teu amor preenche-me, povoa-me de cor.
Continuo nas nuvens, vem comigo. Sonha o que quiseres, sonhos grandes como tu.
Acredito na raiz dos sonhos, nos instantes mágicos… nos finais felizes.


É assim que por estes dias começo cada manhã.
Estou sem ti na mesa do café e olho através do vidro o mundo que passa do lado de fora. Leio mas a música alta e as conversas nas mesas ao lado distraem-me.
Bebo devagar o galão, sempre muito quente, e observo quem está nas outras mesas, são quase sempre os mesmos.

E agora, a cada manhã, descubro frases diferentes nos pacotes de açúcar que nunca utilizo.( Não consigo beber chá, café ou leite com açúcar, nunca consegui….)
Assim, acabam em casa no meio do conjunto de pacotinhos de açúcar que digo coleccionar.
Há anos que carrego pacotes de açúcar que aos meus olhos parecem ser merecedores de se amontoarem lá em casa.

E no meio deste ritual matinal encontrei a campanha publicitária Natal 2005 do café Delta. Descobri retalhos açucarados, muito doces e gentis que são capazes de encher o dia.

terça-feira, dezembro 20, 2005

a força das palavras cantadas

Por tantas guerras passei que hoje em dia já poderia dizer que tudo me parece normal. Mais longe que isso, não sinto nada que me possa tocar fundo, fica tudo à flor da pele. à flor da pele o frio e o calor. à flor da pele as minhas mãos, quando as deixo repousar na água, antes de me lavar a cara. Fecho os olhos e sinto uma onda que me leva. Já é tarde.

Já não sei fazer as pazes, nem contigo nem comigo, os meus dias sempre nesta inquietação de ter tudo o que fazer e, nisto tudo, haver sempre qualquer coisa que não dá bem para perceber, que me escapa, que me foge. é assim que eu sinto, um balão que se esvazia e, por não ter mais onde ir, lutar contra si próprio, sempre a querer deitar mais ar para fora. Para fora, o que tenho e o que não tenho.

José Mário Branco

sexta-feira, dezembro 02, 2005

hoje deixo a porta aberta

Hoje deixo a porta aberta.
Fico à tua espera acordada, aninhada no sofá, de costas para a entrada.
Vais parar à minha porta, primeiro indeciso, depois quando sentires o calor e a luz, vais caminhar com passos seguros e firmes.
Não vais deixar de trazer os teus livros e os quadros que pintaste.
Vais subir as escadas com vagar e vais encontrar-me tranquila, recostada nas almofadas amarelas, aconchegada pela manta de retalhos.
Vou estar a ler ao som da música que veio do outro lado do mundo, aquecida pela lareira acesa
Só te vou sentir quando o teu respirar acelerado encher a sala iluminada com velas.
Vais percorrer a sala, a cozinha e o quarto, vais demorar-te no jardim e por fim vais ficar sentado na varanda a saborear lentamente um copo de vinho tinto.
Esta noite vais estar finalmente em casa.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

imenso



Para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive.

Fernando Pessoa