sexta-feira, julho 22, 2005

Inferno

Ouve a sua própria respiração ofegante, os chinelos dificultam o passo acelerado, quase de corrida. A roupa suja, mal lhe cobre o corpo, as mãos acompanham o ritmo da caminhada. Vazias. De vez em quando pára, olha para trás.
Chora.
Os carros passam a grande velocidade. Corre, sem saber para onde. Corre porque assim tem de ser Os olhos ardem. Ardem de tristeza, deixam as lágrimas brotar em torrente. Quase não consegue ver a estrada cheia de carros, repleta de gente que corre. Há fumo, muito fumo. Respirar é difícil. Está muito calor.
Chora.
Olha para trás e vê as chamas altas, muito altas, maiores que a casa. A sua casa.
O pinhal arde e em segundos as chamas abraçam a casa. Fecha os olhos. Sente as chamas percorrerem todas as divisões da casa. Os quartos… a sala, a cozinha, consegue imaginar tudo a desaparecer INFERNO adentro. Sente o coração pequenino, apertado…
O fogo devora os livros, engole as roupas, consome os móveis, as recordações, a música, o conforto, a segurança, as certezas… a vida inteira.
Os bombeiros correm, gritam, diligenciam, agem, combatem. O fogo não pára.
Incêndio Maldito.
Ninguém desiste, mas estão derrotados. Perderam pelo cansaço, pela impotência, pela inoperacionalidade, pela falta de planeamento. Pelo de sempre. Ano após anos. Verão após Verão. Desaparecem as florestas, as casas, os campos cultivados, os animais, o país e as pessoas. Portugal arde em lume forte a cada época estival como se desta sina certa e cíclica não pudesse fugir.
Ela foge.
Foge para longe das chamas. Vai vazia. Deixou a alma dentro da casa que arde, agora depressa, incendiada com as memórias fechadas atrás das paredes quentes, das janelas que estalam, das portas que dilatam e sucumbem … Já não sente nada. O desespero, a raiva, o grito, a revolta, tudo queimado. Por dentro só cinzas.
Encontra a família. Abraçam-se. Chora.
Está viva.

quinta-feira, julho 21, 2005

Todos os Sentidos Apurados_Viagens

Ontem num jantar bem divertido, numa viagem pela gastronomia alentejana, entre o javali, as migas e a encharcada (confesso, não consegui acabar) conversámos sobre viagens.
Não resisti.
Deixei-me levar pelas histórias, pelas fotografias. Logo ali, senti-me invadida pelos cheiros, pelos sons, pelos silêncios, pela brisa, pelo frio…. pelos relatos, pela imagens, pela aventura, e lá vim, convencida a marcar no earth google, mais um ponto a visitar neste planeta azul…
Destino Ushuaia
O último lugar da terra habitado antes da Antártida.
A cidade mais a sul do Mundo
Argentina_Patagónia_Tierra del Fuego
Anualmente são poucos os portugueses que se deslocam para esta zona do globo. É um local que está ainda em descoberta lenta…. E nas fotos é PERFEITO. Apura os CINCO sentidos. Dois e meio de cada lado e são asas que podemos usar e voar sobre a paisagem limpa, gelada LINDA, LINDA
Vamos???

quarta-feira, julho 20, 2005

Culpa

Se há situação que me irrita é a desresponsabilização que grassa na nossa sociedade. Ninguém é responsabilizado, ninguém é culpável pelas consequências e efeitos das suas acções. Todos se preocupam em atribuir aos outros delitos e faltas. Todos têm justificações, mas o Mea Culpa há muito que deixou de ter lugar nas vidas de quase todos…
Eu fui educada a assumir os meus actos, a perceber que se as opções forem as correctas o mérito é meu, mas se, por algum motivo algo correr mal, essa responsabilidade também é minha, e se for, há que reconhecê-lo e tentar melhorar.
Hoje em dia todos se apressam, de forma quase generalizada, a atribuir faltas, a sacudir atenções, a apontar o dedo, a encontrar explicações ou desagravos.
Esta falta de coragem ética, de profissionalismo, de carácter até, esta ausência de civilidade fragiliza o ser humano, retira-lhe génio, força e integridade.

Acho que parte desta conjuntura se deve ao peso do significado da palavra culpa. Culpa. Uma palavra curta, forte, profunda, redonda, escura. A velha e tradicional educação judaico-cristã fecha na palavra e no conceito de Culpa o peso de séculos de obscuridade, de transgressão, de pena, de sofrimento, de pecado …. Pois, é tempo de arejar esta concepção, de a suavizar, de recuperar a palavra sem o seu incómodo religioso, mas sem a leviandade de a considerar noção non grata.

A valorização das liberdades e direitos individuais que se generalizaram nos dourados anos 60 e 70, condenaram para sempre a palavra Culpa aos calabouços dos tabus e dos significados proibidos. Com o flower power os pedopsicólogos de todo o mundo incutiram nos pais e educadores o medo de traumatizar meninos e meninas, se lhes fosse exigida alguma responsabilidade. [E lançando mão de uma hipérbole :)] Daí a limpar da face terrestre a Culpa foi um passo… até porque ninguém no seu perfeito juízo quer ter o ónus de permitir que as criancinhas do século XX e XXI cresçam com desequilíbrios, se por algum acto de loucura, algum progenitor lhe tentar incutir o sentido da responsabilidade ou a percepção do binómio acção/consequência….
É urgente renovar contextos e semióticas, a Idade Média acabou…

segunda-feira, julho 18, 2005

ALASKA




Estar
Onde o silêncio reina
No fim
No princípio
No desaguar do tempo
Sentir o nascer das horas
A vida a brotar da terra
Tactear o topo do mundo
Estar
Achar-me na nudez do universo
Encontrar o despojar da natureza
Sossego
Fechar os olhos e renascer
Placidez enfim
Desabrigo feliz
Estar

sexta-feira, julho 15, 2005

No one else can feel it for you

Desde que me conheço que leio sobre o AMOR, que encontro poemas de autores que rejubilam ou sofrem por amor, que vejo quadros que exultam prazeres e paixões por amor, que sei que há quem procure significados….
Muitos há que analisam a etimologia para encontrar as palavras certas para descodificar a fórmula do amor. Há ainda quem arrisque e entoe canções de amor, há quem guarde religiosamente cartas de amor emocionado…

Quase todos os que se aventuram nesta representação do amor falam de saudade, do gemido doce dos violinos, de lágrimas ou de sorrisos. É com o amor que aparecem as descrições de ondas a desmaiar na areia, de cenários paradisiacos, de corações acelerados, de impressões no estômago, de noites mal dormidas, de arrepios na pele….

Não faltam relatos de noites de amor em que os corpos se fundem, em que os momentos param, em que as horas, os dias e a vida inteira cabem num só suspiro de felicidade. A felicidade que se sente quando se está na presença de quem se ama, como se tudo estivesse no sítio certo, como se por magia o universo se tornasse perfeito e nos reencontrássemos no outro.

Mas… fora dos livros, dos quadros, dos poemas, dos filmes, dos bailados, da música… na vida real… estamos sós na procura do amor, na sorte ou no azar de reconhecermos o amor quando ele está ali à nossa frente, ou até na sorte ou no azar de o encontrarmos, ou de o querermos encontrar e viver.

No one else can feel it for you.

quinta-feira, julho 14, 2005

De portas abertas para a vida !!



Deixa-te ficar
Filármonica Gil
João Gil e Nuno Norte

Deixa-te ficar na minha casa
Há janelas que tu não abriste
O luar espera por ti
Quando for a maré vaza
Ainda tens que me dizer porque é que nunca partiste

quarta-feira, julho 13, 2005

Não tenho medo

Não tenho medo da sombra. Sei que me indica apenas que em algum lugar próximo brilha a luz.

terça-feira, julho 12, 2005

Amores Imperfeitos

É fresca, é jovem, é melodiosa, cheira a Verão... é assim a voz de Viviane no seu primeiro álbum a solo. Os seus Amores Imperfeitos, ao vivo, levaram-me a vaguear por vários géneros musicais, fechei os olhos e, enquanto ela dançava no palco, senti o fado, o jazz e o tango.
Viajei.
Com uma voz de timbre estranho e uma maneira de cantar muito própria, ela interpretou ali , a pouco mais de dois metros de mim… o Fado Mambo, A Vida Não Chega e o Sonho Lindo.
Acabei por passar uma tarde agradável, consumindo devagar pequenos momentos mágicos sem pressas… com espaço para entrar em mim e dançar entre as minhas memórias.
Gostei.

domingo, julho 10, 2005

E por vezes
David Mourão Ferreira

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite não fez em muitos anos
E por vezes fingimos que encontramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
são sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes, oh por vezes
num segundo se evoluem tantos anos.