Ouve a sua própria respiração ofegante, os chinelos dificultam o passo acelerado, quase de corrida. A roupa suja, mal lhe cobre o corpo, as mãos acompanham o ritmo da caminhada. Vazias. De vez em quando pára, olha para trás.
Chora.
Os carros passam a grande velocidade. Corre, sem saber para onde. Corre porque assim tem de ser Os olhos ardem. Ardem de tristeza, deixam as lágrimas brotar em torrente. Quase não consegue ver a estrada cheia de carros, repleta de gente que corre. Há fumo, muito fumo. Respirar é difícil. Está muito calor.
Chora.
Olha para trás e vê as chamas altas, muito altas, maiores que a casa. A sua casa.
O pinhal arde e em segundos as chamas abraçam a casa. Fecha os olhos. Sente as chamas percorrerem todas as divisões da casa. Os quartos… a sala, a cozinha, consegue imaginar tudo a desaparecer INFERNO adentro. Sente o coração pequenino, apertado…
O fogo devora os livros, engole as roupas, consome os móveis, as recordações, a música, o conforto, a segurança, as certezas… a vida inteira.
Os bombeiros correm, gritam, diligenciam, agem, combatem. O fogo não pára.
Incêndio Maldito.
Ninguém desiste, mas estão derrotados. Perderam pelo cansaço, pela impotência, pela inoperacionalidade, pela falta de planeamento. Pelo de sempre. Ano após anos. Verão após Verão. Desaparecem as florestas, as casas, os campos cultivados, os animais, o país e as pessoas. Portugal arde em lume forte a cada época estival como se desta sina certa e cíclica não pudesse fugir.
Ela foge.
Foge para longe das chamas. Vai vazia. Deixou a alma dentro da casa que arde, agora depressa, incendiada com as memórias fechadas atrás das paredes quentes, das janelas que estalam, das portas que dilatam e sucumbem … Já não sente nada. O desespero, a raiva, o grito, a revolta, tudo queimado. Por dentro só cinzas.
Encontra a família. Abraçam-se. Chora.
Está viva.