segunda-feira, fevereiro 28, 2005

E pronto

Não me lembro dos sabores. Pouco importa se era morango ou chocolate, o gelado que levavas à boca. Recordo principalmente o teu olhar doce, o frio, a descontracção com que ignoravamos o passar das horas. Está ainda viva em mim a vontade que senti de te mimar e cuidar. Naquele dia, enquanto saboreava contigo um saboroso gelado em pleno Inverno, algo mudou.
Nasceu em mim um sentimento novo, inesperado, uma sensação estranha até aí desconhecida. Por alguns momentos deixei de pensar só em mim, como sempre fiz, não por egoísmo, mas por hábito, por auto-suficiência, por determinação e independência e quis velar por ti. Não porque precisasses, mas porque eras meu, porque eu queria que estivesses bem. Vi-me ali, naquela gelataria antiga, a mesma da minha juventude, frente-a-frente connosco.
Tiveste a certeza que gostava de ti.
Há muito que me tinhas entregue o teu coração. Pelo menos assim o dizias. Eu não. Estava a apaixonar-me devagar, mas naquele instante percebeste.
Só mais tarde falámos disso. Na altura voltámos aos risos, aos mimos, aos gelados, às brincadeiras… aos beijos. Já não queria voltar atrás.
Gostava de ti e pronto.

domingo, fevereiro 27, 2005

Adolescentes e diários

Estava a organizar as minhas estantes quando o encontrei. Foi-me oferecido pela minha mãe, sempre preocupada com o meu crescimento, sempre orgulhosa da minha paixão pelos livros. Ainda não sabia ler e já tinha os meus livros favoritos, alguns ainda vivem…
Esta tarde, no meio da arrumação, o diário voltou-me às mãos. Não resisti a folheá-lo. Voltei a sorrir com os dilemas de menina.
Li o diário de Anne Frank quando tinha a idade da protagonista. Senti-me ao longo do livro a crescer com ela, a transformar-me física e mentalmente (vá não demorei assim tanto a ler). A descoberta dos seus sentimentos de menina quase moça, outra vez menina, às vezes já quase mulher mostraram-me que tudo o que eu sentia dentro de mim era partilhado por tantas outras meninas, pelas que já o tinham sido, pelas que o seriam ainda. Crescer confronta-nos com situações difíceis.
Na ocasião fiquei sensibilizada com a história de Anne Frank que viveu dois anos “mergulhada”, escondida com a sua família, privada da liberdade, da luz, do ar, do sol, dos amigos, da escola, tudo para fugir aos alemães.
A história difícil daquela menina judia serviu também para me ajudar a relativizar os meus próprios dramas de adolescente normal e crescer… mas tudo no seu tempo.

nota: Outra herança que me ficou desta leitura foi o hábito de escrever diários. Uma compulsão que permanece até hoje

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Chuva

Ela está de volta

and I miss you
like the deserts miss the rain
I step off the train,
I'm walking down your street again,
and past your door,
I guess you don't live there anymore
and I miss you
like the deserts miss the rain

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Despojados

Sem rei nem roque
Sem amor nem glória
Sem herói nem anjo
Sem magia nem mentira
Sem história nem ilusão
Sem sonho nem memória
Sem ventos nem marés
Sem força nem alento
Sem fraqueza nem descanso
Sem sono nem sossego
Sem luz nem fogo
Sem calor nem queimar
Sem luar nem chegar
Sem rosas nem jardins
Sem azul nem vermelho
Sem céu nem montanha
Sem fugir nem correr
Sem ter nem encontrar
Sem estar nem querer
Sem ser nem perder
Sem….

domingo, fevereiro 20, 2005

Eleições

Dia de eleições. A partir das 19h00 fiquei colada à rádio, à televisão, à internet.
À medida que surgiram resultados e comentários, à medida que surgiram os profissionais da política e os seus discursos… fiquei a ouvir mais do mesmo, mas diverti-me enquanto alguns cantavam… alto e a bom som…

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de
Mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar
(….)
Humanos letra de António Variações

nota positiva
O acompanhamento on-line dos resultados foi surpreendente, mesmo muito bem organizado, apenas algumas falhas momentâneas. Soube tudo ao segundo em ttp://www.legislativas.mj.pt/

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Closer - I can't take my eyes off of you

Do filme guardo a Banda Sonora, ou melhor, uma das canções: The Blowers Daughter de Damien Rice (enquanto toca recordo as cenas do filme).

No filme encontrei a tragédia do amor numa rede apertada de sexo, desejo, ciúme e traição. Todos os personagens evocam constantemente uma verdade e a necessidade dela….. Mas nenhum deles é sincero a não ser nas suas sucessivas infidelidades. Reflectindo a vida real, o amor em Closer não está livre de contrariedades, de dor, de culpa.

Quanto mais perto estamos de alguém, mais nos podemos magoar, mas mais profunda é a emoção que partilhamos. E constatando a insistência e a perseverança com que o ser humano procura o amor… deve valer a pena!

The Blowers Daughter
And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time
And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her sky

I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes...

And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time
And so it isThe colder water
The blower's daughter
The pupil in denial

I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes...

Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to
Leave it all behind?

I can't take my mind off of you
I can't take my mind off you
I can't take my mind off of you
I can't take my mind off you
I can't take my mind off you

I can't take my mind...
My mind...my mind...
'Til I find somebody new
Damien Rice

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Tudo isto é fado

Chorei porque perdi a minha dor e ainda não estava acostumada à sua ausência.”

Li ontem esta frase e pensei estar perante mais uma manifestação do fado que é luso, da tristeza que é nacional, do sentimento que existe ainda por estes dias neste país.
E assim se sente e retrata a alma portuguesa, com pena de não ser feliz, não o sendo porque se perde à procura de uma dor. Uma dor que nasce quando a dor já não dói. A busca de um aperto no coração move as lágrimas lusas, sempre à espreita nos olhos que vivem postos no mar à espera de um amanhã…

É de facto nestas alturas que me sinto quase ESPANHOLA (ups) :)

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Inebriada, arrebatada, embevecida...


"Oh, God, I know no joy as great as a moment of rushing into a new love, no ecstasy like that of a new love.
I swim in the sky;
I float;
My body is full of flowers, flowers with fingers giving me acute, acute caresses, sparks, jewels, quivers of joy, dizziness, such dizziness.
Music inside of one, drunkenness.
Only closing the eyes and remembering, and the hunger, the hunger for more, more, the great hunger, the voracious hunger, and thirst."


Anais Nin
Incest

Maio de 1934

domingo, fevereiro 13, 2005

I just can’t get enough

Fui ver os Nouvelle Vague. Um projecto que enche de cor e de conteúdo versões de temas já conhecidos. Temas que suplantam os originais… onde impera o calor da Bossa Nova.
Logo no fim do espectáculo fiquei desconcertada. Soube-me a pouco. As canções sucederam-se depressa, sempre familiares. Interpretadas de forma sentida com o sensual sotaque francês a arranhar as letras anglo-saxónicas.
Apetecia-me dançar pela pista toda de olhos fechados. Contive-me.
Fiquei lá quase quieta, quase confinada, quase sossegada, quase… mas trauteando as letras, entretida a dançar por dentro e a sacudir–me como faz toda a gente em qualquer concerto.
No fim, o sentimento de sempre, uma cobiça de quem se entrega à arte, à musica, à dança, à pintura, à escrita. Sempre. Uma inveja, confesso que passageira, de quem detém o prazer de estar cativo entre a supremacia da imaginação e da transcendência e a concretização humana. Sai de lá com as melodias a ecoarem em mim....

I just can’t get enough, I just can’t get enough
We walk together, we're walking down the street

And I just can't get enough, I just can't get enough
Every time I think of you I know we have to meet
And I just can't get enough, I just can't get enough


(original dos Depeche Mode, 1981)

sábado, fevereiro 12, 2005

Recado

A casa está vazia. O pôr-do-sol enche a rua e através da janela aberta ilumina a sala. É bonita a luz da cidade a esta hora. Mais bonita fica reflectida assim, nos móveis de cor clara, escolhidos com tanto desvelo e cuidado. Em cima da mesa está uma carta fechada. É para ti.

Fazem-me falta vidas para mim.
Tempos de silêncio, de adormecimento, de ausência do mundo, a sós comigo e com o meu pensar, sem horários ou encargos, sem funções ou obrigações.
Apenas perdida cá dentro à procura de caminhos no labirinto do que sou, no tempo do que fui, nos sonhos que quero ser…
Disposta a deixar correr os minutos entre os dedos, sem sentir a angústia da perda, da transgressão, da responsabilidade, sem contar as tarefas que me faltam cumprir, sem me achar em falta por usufruir deste prazer, por precisar dele.
Horas vazias de promessas feitas ou esperadas, tempo sem destino nem justificações.
Parti.
Marquei na agenda os dias sem culpa.
Os dias que são meus.
O tempo que tenho que guardar para que não me falte o amor, a paciência, a alegria, a energia, o vigor, o ânimo e vontade para continuar a viver em felicidade com os que amo e a quem faço feliz

Espera por mim


Ass.

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Evolução

Crescer e evoluir é muito mais que aprender. É transformar saberes, conhecimentos, informações e experiências em atitudes, acções e posturas.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Recordar leituras

Os olhos dela ilógicos na sua beleza desmesurada, persistem em não aceitar quanto de lógico eu lhe possa dizer. Segredo-lhe com a boca a subir-lhe as espáduas até à nuca, e da nuca até à concha do ouvido. Acabámos agora de ser, em cima desse divã gruta, gritos abafados da mesma praia submersa, raízes, ramos, folhas, frutos, da mesma árvore na horizontal
Estamos ambos de pé, estamos ambos nus. Diante do enorme espelho aí à largura dessa parede: e eu todo me escondo atrás do seu corpo. Assim lhe mostrando como só o seu corpo ali, merece reflectir-se. (…)
Ramos, raízes, folhas, frutos. E a gruta; e o grito. Nem tratámos, desta vez de alcançar o divã, Bastou-nos, defronte do espelho, o escasso rectângulo desse tapete. E dificilmente percebo, como conseguimos, no fim, içarmo-nos até esta poltrona. Encontramo-nos, no entanto, muito mais despertos do que supúnhamos: sentimo-nos leves, límpidos, alados, lúcidos, como depois de uma trovoada.

“Um amor feliz” de David Mourão Ferreira

terça-feira, fevereiro 08, 2005

Tudo no seu devido lugar

Levou anos a conseguir organizar um mundo perfeito.
Tudo no seu devido lugar.
Vivia dia após dia várias vidas paralelas, colaterais, transversais, sobrepostas, alternadas, mas nunca enlaçadas ou simultâneas.
Tudo no seu devido lugar.
Vidas curtas, cortadas, sincopadas, experimentadas segundo regras, normas, patamares e degraus.
Uma vida no amor outra na carreira, uma vida na amizade outra na família e ainda outras tantas vidas no lazer.
Quadros que nunca se cruzaram.
Tudo no seu devido lugar.
Por estas vidas atravessaram pessoas, conhecimentos, espaços, desejos, anseios, posturas que construíram nela muitas facetas, Por esta desfragmentação deliberadamente escolhida ela foi uma pessoa diferente a cada minuto, a cada contexto, a cada etapa.
Mas o preço desta escolha parece-lhe agora alto. A fadiga apoderou-se-lhe dos dias, negou-lhe o prazer e arrastou-a para dentro do turbilhão do devir. Já não tem vidas, só cenas sucessivas em que desempenha o seu papel decorado para o filme do imediato, apreendido nos minutos anteriores, esquecido nos segundos seguintes. Protagonismos já sem conteúdo ou significado, concretizados apenas para que tudo esteja no seu devido lugar.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Reinventar a Arte

Os quadros estavam organizados segundo uma ordem determinada. Analisei-os pormenorizadamente.
Estava ainda envolvida na minha fruição quando entrou uma visita organizada na sala. A mesma que eu já tinha acompanhado há minutos. Agora o guia explicava a sequência dos quadros do Capuchinho Vermelho. Chamou-me a atenção.

Paula Rego
partiu da história original para chegar a uma interpretação contemporânea.
A actualidade da situação salta-nos à vista: crítica social, pedofilia, vingança, o papel da mulher na sociedade…
Já não vemos nos seus quadros uma história para os mais pequeninos.

Manuel António Pina foi mais longe e fechou o ciclo da recriação da arte. Depois de Paula Rego ter roubado aos livros a inspiração para os seus quadros, recuperando a história do capuchinho vermelho, os seus desenhos voltam aos livros e ilustram as letras da nova história da menina vestida de encarnado. Manuel Pina escreve para encher de palavras as imagens que estiveram expostas em Serralves até ao fim do mês de Janeiro de 2005.

Uma exposição com alma que marcou a história da arte em Portugal.