terça-feira, janeiro 31, 2006

fazes-me falta

Fazes-me falta. Hoje, ontem, todos os dias.
Fazes-me falta quando penso depressa, quando discorro sobre mim e me afogo no que sou. Quando perco o norte e me abandono no desespero de me ver sem rumo, sem certezas, sem opções, sem escolhas. Preciso de ti para me dares a mão.

Sabes que sou assim, que no meio de um dia claro e solarengo vivo uma tempestade negra, pesada, decisiva, intransponível. Que me afundo num abismo sem limite, que me entrego ao vento, de frente, só porque sim…

Gosto de te contar os meus problemas, as minhas dúvidas, os meus enigmas… Gosto de te ver a tentar perceber o mundo pelos meus olhos. Sempre com tanto carinho, sempre com desvelo. O cuidado de quem gosta. Por isso me abriste a tua vida, sem esperar nada. Só a saborear o que o destino te trouxe um dia num acaso…

segunda-feira, janeiro 30, 2006

fantasi@




Perguntas-me noite dentro.
- Estou no sótão sozinho, queres vir cá ter …em fantasia?
Estás só, de olhos fechados, na tua cama onde prolongas as noites mal dormidas. O sótão está quente, confortável, olhas em volta… Pela janela vês a cidade iluminada. No escuro… desejas-me.
Devagar, descreves-me como me tomas nos braços, como me beijas, como te aproximas mais, como te colas a mim. Falas no presente. Nunca no futuro, nunca no condicional. Sabes que vai ser assim, sem dúvidas …
A noite resgata devaneios e quimeras, desejos e segredos, cobre com um véu de neblina mágica a memória, o ardor, a paixão…
- De que cor é a tua lingerie hoje.
- Preta
Respiras fundo e ficamos em silêncio.
- Gosto da maneira como te ris – Oiço-te ainda.
Recomeça a chover. Desligas o telefone e sais….

sexta-feira, janeiro 20, 2006

em viagem

Quero ir ao Chile fora de pacotes desejo/sonho de longa data. Alguém me recomenda alguma coisa?






quarta-feira, janeiro 18, 2006

non sense

Enquanto olho a lareira acesa vejo a vida inteira em flashes iluminados cadenciados e sequenciais. Não estão ordenados, nem por data, nem por intensidade, nem por sentires, aparecem por vontade própria, para me mostrar o que fui.

Fotografias mentais de momentos, de pessoas, de lugares, de sorrisos. Os flashes sucedem-se e já não estou à lareira, já estou numa sala escura, de olhos fixos no ecrã luminoso. E por instantes desvio a atenção do filme e perco-me dentro de mim, com o sonho de olhos abertos a correr rápido, acelerado, fluído. Ás vezes acho que não sou eu. Olho-me e não sou eu ali presa nos flashes luminosos que me invadem sem aviso.

Pressinto que no meio de tantos pensamentos e sonhos me apoderei da vida de outros. Faço da história alheia a minha memória e organizo em mim lembranças de viagens, de carinhos de familiares, de passeios enamorados que nunca fiz, que nunca vivi, que nunca conheci.

Reconheço-me quando a memória me traz a minha infância, os amigos, os diálogos, os medos, os desejos, depois volto a perder-me no meio dos flashes que não reconheço, na memória das vozes que nunca ouvi, dos recantos de casas onde não estive, de lembranças de cidades que nunca visitei, de rostos e de expressões de pessoas que não sei o nome e com quem nunca me cruzei.

E os flashes não param. Agora estou ao teu lado, no carro, enquanto a lua cheia ilumina a estrada, invadem-me memórias da vida de quem connosco se cruza no caminho, chego a casa com eles, sinto a vida alheia e regresso ao carro contigo, estamos de mão dada e continuas a contar-me o teu dia. Agora cheira-me a pão quente. No meio das imagens chega-me o meu corpo a preto e branco à janela, envolto num véu branco, transparente e vaporoso. Não está frio.

terça-feira, janeiro 17, 2006

sopa de peixe

Apetecia-me agora uma sopa de peixe. Um caldo quente, forte, encorpado, aconchegante, que me distraísse da chuva e me fizesse esquecer o Inverno.
A minha primeira sopa de peixe comi-a à mesa de uns pescadores afáveis. Entrei, sentei-me e saboreei a sopa, acabada de fazer. Naquela casa fui eu sem fugas ou expedientes. Eu, o Ti Francisco, a D. Maria Eufémia e tu. Sentados os quatro na cozinha vazia de móveis de porta aberta sobre a enseada.
Comi, quase em silêncio, quase de olhos fechados, quase em sossego, a tornar minha a quietude e a calma de quem respeita o mar pela sua imensidão e pelo alimento que concede a quem o compreende.

Lembro-me do dia em que me ensinaste a fazer a tua sopa de peixe. Convidaste-me para jantar. Quando cheguei tomaste a cozinha da tua avó, vestiste o avental e com voz doce pediste-me para te ajudar.
Sentei-me enquanto arrumavas com cuidado os ingredientes na mesa de madeira. Com vagar e amor, – sempre disseste que é com amor que se cozinha –, começaste a cozinhar e a explicar cada pormenor
- Tempera-se o peixe com alho, azeite, sal e louro. Numa panela grande coloca-se a cebola cortada em rodelas, o alho, o louro, a pimenta, os tomates em pedaços, a salsa e o azeite. Deixa-se refogar e acrescentam-se as batatas, a mandioca, o inhame e a abóbora cortada em cubinhos.
Enquanto explicavas o som do mar embalava-nos. A janela da cozinha da tua avó, rasgada de parede a parede, deixava ver a praia invadida por uma luz alaranjada muito viva.
- Deixa-se ferver um pouco para ganhar sabor e coloca-se água suficiente para cobrir tudo abundantemente.
Fizeste uma pausa e olhaste-me com atenção para teres a certeza que eu estava a aprender
- Só quando todos os ingredientes estiverem quase cozidos é que se acrescenta o peixe. Depois da cozedura se o caldo estiver líquido, prepara-se à parte uma colher de farinha diluída num pouco de caldo e acrescenta-se com suavidade.
Sorriste e levaste-me pela mão até ao fogão. Destapaste a panela… cheirava a mar e a Verão. Ao jantar, na varanda, já depois de escurecer, comemos a tua sopa de peixe acompanhada com papas de milho enquanto a brisa trazia a músicado bar do Mateus...

terça-feira, janeiro 10, 2006

o fim do mito urbano,
preconceitos, estereótipos & Cª

Ela sonhava ser escritora. Gostava de poder escrever e encontrar nas livrarias onde entra os seus textos reunidos em publicações encadernadas e bonitas, cuidadosamente arrumados ao lado de grandes obras.
Gostava de entrar em casa de quem conhece e encontrar esquecido numa mesa um livro que tivesse nascido de si e estivesse agora nas mãos de outras pessoas.
Gostava...

Alimentou essa ideia quase sem se dar conta. Criou essa fantasia há muitos anos, quando devorava livros pela noite dentro. Quando virava as costas à televisão e ficava a sonhar de olhos abertos a fixar o tecto. Quando, por dormir tão pouco, passava muitas noites em claro. Horas e horas sozinha, acompanhada apenas pelas histórias que inventada ou que descobria nos livros. Foi por esses dias que leu todas as mil e uma histórias contadas em mais de mil noites e percebeu como contar narrativas imaginadas permitiu a Sherazade manipular e cativar o sultão….

Apaixonou-se pelas páginas de um livro, verde e azul, numa noite quente, ao percorrer a feira do livro no jardim Manuel Bívar, pela mão da mãe…ainda nem sabia ler…

Hoje percebeu que não pode ser escritora. Não estão cumpridos os requisitos primários e essenciais que permitam que as suas letras tenham a magia que as faça crescer dentro de páginas brancas. Vive só uma vida normal. E o mito urbano do escritor à margem da sociedade não se cumpre…

Não bebe álcool. Não degusta com prazer e lentidão um copo de vinho tinto, ou doutra bebida qualquer, não vive a sensação doce e lenta de sentir o torpor do álcool a toldar-lhe os sentidos sociais e a deixar que a inspiração surja com força e constância, em cadência, da cabeça para os dedos, dos dedos para o portátil, do portátil para os sentidos, dos sentidos para a alma, contando muitas histórias.

Não fuma. Não pára, enquanto aspira profundamente um cigarro, melhor, uma cigarrilha, com cheiro forte, sofisticado, urbano, quase afectado, ou então um charuto. Um cubano rude, áspero, amargo, grosseiro, queimado num ritual preguiçoso, que permita cogitar numa clareza encoberta uma vida paralela longe dos sítios onde passa as suas horas.

Não consome os dias na cama, perdida em lençóis que acolhem o descanso de uma boémia cultural, literária, intelectual povoada de excessos e excentricidades.
Não vive quando o sol se esconde e a lua ganha terreno. Gosta do sol, da luz, do vigor da manhã, do cheiro do campo, da brisa da praia, de pessoas, de relações próximas.
Inveja com ardor as vidas que conhece nos escritores que admira… que começavam as noites em tertúlias, em trocas de ideias, em conversas acesas e produtivas.
Cobiça a disponibilidade para viagens constantes. Deseja poder entregar-se a dias sem limites, sem deveres sociais, sem expectativas alheias que cerceiem criatividades e encurtem criações.

After all…She is just a girl looking for a regular life.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

meias pretas



Queres chegar a casa depressa. Estás no carro, esperas e todos os teus pensamentos te levam a mim. Eu sou os segundos, os minutos, as horas, ouves o teu coração a bater mais depressa. Fechas os olhos e sentes… Sentes os meus lábios molhados, tão carnudos… Passas a mão direita pela tua perna e antecipas já o momento em que vais sentir em ti a minha pele morena, quente e macia.

Chegas. Entras em silêncio. Atravessas a porta entreaberta. O quarto está quente. É Inverno. A luz que irradia da lareira ilumina-me… Sorris.

Aproximas-te e abraças-me.Finalmente estás completo, feliz, reencontrado contigo em mim… Tocas-me devagar e demoras-te na renda das minhas meias pretas. Beijas-me os pés. Beijas-me a carne. Tomas-me a boca.

Queres-me tua.

domingo, janeiro 01, 2006

do meu blog

Quase todos julgam ler nos meus textos (posts) a vida que sinto ou que vivo. Nem sempre é assim, aliás, raramente. Os textos partem de conversas, de palavras, de encontros, de ideias, de desafios, de inesperados, de premeditados. Crescem quase sozinhos sem eu dar por isso e hoje, nas palavras de Fernando Pessoa, descobri a verdade. A cada palavra não finjo, não minto, sinto com a imaginação. Sinto com a força de todas as pessoas que vivem comigo aqui dentro, ou sinto em cada dia com cada uma delas, já não sei.

Primeiro sou só eu que me sento em frente ao computador para escrever, depois já não estou só e tenho à minha volta muitas histórias que voam pelo quarto. Devagar, pairam e ficam à espera que as faça minhas. Escrevo e já não consigo parar e já não sou eu, mas sou ainda consciência e carne. A mesma carne que sangra quando cravo as unhas no braço para saber se sonho. Estou acordada e escrevo, a vida que ouço, a vida que vejo, a vida que sinto, a vida que cheiro, a vida que quero, porque o querer também é um sentido. Uma vida a várias sentidos, às voltas, às voltas, como as histórias que pairam à espera que eu as faça minhas e as aprisione em páginas numeradas e organizadas de uma história que quer ser sentida.
isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa