quinta-feira, setembro 30, 2004

Encantamento

E-n-c-a-n-t-a-m-e-n-t-o.Gosto desta palavra, lembra-me feitiço, sedução, interesse, deslumbramento, charme... tentação. É ondulante, cantada, feliz.
Encantamento. É forte, redondo, simpático, radiante.
Encantamento. Longo, com enlevo, deleite, êxtase.... fascinação.
E já temos canção!

Longe vão os tempos em que nos dizíamos encantados nos encontros sociais... Enchanté… É romântico, não é?
E de repente estamos num filme de época.

Lembro-me de….histórias de encantar, Varinhas de condão, Mágicos e magias, Encantadores de serpentes, Duendes, Castelos, Dragões, Potes de ouro no fim do arco-íris, Florestas e casas de chocolate…
E voltamos à infância

Proponho uma lei que obrigue ao Encantamento Regular. Doses ministradas sob prescrição médica.
Nem sempre. Mas sempre que nos apetecer, sempre que nos fizer falta, sempre que procuremos caminhos diferentes.
E se todos os dias marcarmos encontro com o destino? E se todos os dias forem dias de episódios entusiasmados e arrebatados?
Todos, quase todos ficaremos com dias inteiros, completos, cheios.
Com EnCantamentoS
Faites vos jeux! A roleta está a girar.

terça-feira, setembro 28, 2004

Primeiro estranha-se
Depois entranha-se

Quando saí do emprego hoje, senti que algo estava diferente. No início não percebi o que me estava a incomodar…
Este Outono tímido confunde-me, o calor obriga-me ainda a vestir roupas leves, mas as montras, na cidade, vestem-se de casacos e cores 2004/2005. A escola está aí e os miúdos correm com as mochilas novas do homem aranha, enquanto as meninas desfilam em grupos monocromáticos de rosa barbie…. A folia da estação das férias, das noites longas, do céu estrelado e do gelado tardio afasta-se de mim lentamente….
Quando saí do emprego, ao fim da tarde, com a noite a entrar, percebi:
Definitivamente o Verão já lá vai!
Na rua, a iluminação pública estava acesa, o sol escondia-se ao longe. Os dias diminuíram tanto que anunciam a chegada da noite, cada vez mais cedo… cada vez mais cedo.
Dei-me conta do início de mais um ciclo… curiosamente…inícios... O dia vai perder espaço e eu vou perder vida lá fora, preparo-me para épocas mais interiores….

domingo, setembro 26, 2004

Sétima Arte

Este fim de semana fui ao Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa, o IndieLisboa 2004. Um evento que está a decorrer no S. Jorge, no coração da capital, até ao próximo dia 2 de Outubro. Esta festa da sétima arte alternativa tem o objectivo de promover a cultura cinematográfica, possibilitando a presença em Portugal, de filmes e cineastas independentes que de outra maneira dificilmente chegariam às salas nacionais.
Em três dias vi quatro filmes:

· After the Day Before, de Attila Janish (Hungria)
· Nói Albinói, de Dagur Kári (Islândia)
· La Niña Santa, de Lucrecia Martel (Argentina)
· Czech Dream, de Vit Klusák e Filip Remunda (Rep. Checa)

Foi por esta ordem que assisti às sessões, numa descoberta permanente. E foram só quatro… porque…. porque… porque o Indie tem sessões em simultâneo, logo temos que fazer uma selecção prévia, impreterivelmente.

Os meus filmes não estão alinhados de acordo com as minha preferências, até porque não sou crítica de cinema, nem tenho pretensões a tal, sei apenas perceber se a mensagem me agradou ou tocou, gosto apenas de sair da sala de cinema com a certeza que estou um bocadinho mais rica, quero sempre manter esta avidez de procurar cada pormenor, procurando ir mais além. Neste caso, além do cinema comercial, além do mercado americano, inglês, francês….
Expresso, no entanto, que continuo a achar estranho, não perceber os diálogos, é o hábito, é a eterna presença do inglês nas nossas vidas.
O Indie veio para ficar, afirmo eu com base nas salas sempre cheias, nas filas para comprar os bilhetes durante todos os dias da semana, com base no entusiasmo das conversas que se ouvem cá fora….
O Indie volta em Abril/Maio de 2005, até lá há cinema no S. Jorge até Domingo.

sábado, setembro 25, 2004

Eu e oito milhões de leitores

Eu, tal como oito milhões de pessoas em todo o mundo, estou a ler o Código Da Vinci.
Só Agora?
Não!!!! Confesso.
Este livro, há muito que está no meu top 20. Sim, o cantinho onde guardo os livros que quero ler, que estou a ler, que tenho intenções de ler, que vou lendo. Isto, porque agora tenho esta mania de começar vários livros e lê-los todos ao mesmo tempo. Um verdadeiro um exercício de memória.....

Voltando ao Da Vinci Code....

Tenho-o ali, iniciado há meses. Trouxe-o de Londres e agora agarrou-me. Rendi-me. Apanho-me a pensar, durante o dia, no que irá acontecer a seguir. Os personagens já fazem parte do meu quotidiano: Robert Langdon, Sophie Neveu, Jacques Sauniere, Captain Bezu Fache, Lieutenant Collet, Silas, Bishop Manuel Aringarosa e .... veremos.
Há algum tempo que não me sentia assim, cativa de um livro. Recomeço a leitura e o mundo deixa de existir e passo a viver lá dentro, nas páginas do Código, de pista em pista...
Sou convidada e vejo-me a passear pelas salas internas do Museu do Louvre, pela residência de Verão do Papa, pela sede da Opus Dei, pela embaixada norte-americana em Paris, pela Abadia de Westminster.... e perco-me pelo mundo da arte, por estes dias...

quinta-feira, setembro 23, 2004


Só porque sim. Só porque gosto. Só porque estou a ouvir. Só porque posso. Só porque esta é a minha casa. Só porque aqui canto o que me apetecer :)

Cara d'Anjo Mau
Os teus olhos são cor de pólvora e o teu cabelo é o rastilho
O teu modo de andar é uma forma eficaz de atrair sarilho
A tua silhueta é um mistério da criação
E sobretudo tens cara de anjo mau

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

Que posso eu fazer ao ver-te acenar a ferida universal?
Que posso eu desejar ao avistar tão delicioso mal?
Que posso eu parecer quando me sinto fora de mim?
Que posso eu tentar senão ir até ao fim?

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir?

Por ti mandava arranjar os dentes e comprava um colchão
Por ti mandava embora o gato por quem tenho tanta afeição
Por ti deixava de meter o dedo no meu nariz
Por ti eu abandonava o meu País

Jorge Palma

terça-feira, setembro 21, 2004

A ternura dos 40

Tenho cá em casa os livros da Mafaldinha.
Especialmente um vermelho, grosso que vou buscar esporadicamente para colocar à cabeceira e me acompanha antes de adormecer…
Entrei na vida da Mafaldinha pela mão de um colega que desenhava tiras cómicas…. Entrei na típica família de classe media da América Latina dos anos 60, há anos. Ri-me, rio-me até às lágrimas com as críticas, as resoluções, as conclusões daquela criança esperta.
A miúda era de facto sagaz, perspicaz, inteligente, não tem papas na língua e criava situações muito complicadas, sobretudo à mãe, dona de casa acomodada, mas também não negligenciava o pai, sustento da casa e bom chefe de família.
O que me separa da Mafaldinha, o que sempre me distinguiu dela é a Sopa, ela detestava-a eu gosto, gosto mesmo, a sério. Menos canja.. não suporto canja.
A Mafaldinha, criada por Quino, nasceu na argentina, há 40 anos. É verdade, há 40 anos e as criticas sociais continuam actuais. Excepto a guerra fria, pouco mudou no mundo….Bem… há mais telemóveis e micro-ondas e computadores e internet….. mas no resto…..
Onde anda hoje a Mafaldinha???? Será que já gosta de sopa? Perdemos-lhe o rasto em 1974, quando Quino decidiu matar a sua heroína, porque considerava que se estava a repetir nas suas histórias….
A menina que lia jornais, que se preocupava com o mundo, que não via televisão, que defendia o papel activo da mulher na sociedade desapareceu… mas a sua herança permanece atravessando gerações.
Hoje ela tem 40 anos e deve ser tradutora nas Nações Unidas (pelo menos era o que ela anunciava que queria ser) Será que ainda detesta sopa???
Alguém gosta de sopa????

segunda-feira, setembro 20, 2004

Tudo em mim

O nosso espaço, o nosso círculo familiar, de amigos, de colegas, de conhecidos é apenas uma gota no oceano das relações humanas. Sempre que conheço alguém interesso-me. Renasço. Gosto de ficar a ouvir, a assimilar, é um facto que gosto de partilhar, de partilhar-me, mas fico encantada, arrebatada, seduzida, cativa de cada palavra quando me contam histórias de vivências, de encontros e desencontros, de famílias, de viagens. Principalmente de viagens. Escuto com atenção e percebo os mundos que existem, camada sobre camada, vida sobre vida. Gosto de conhecer pessoas. Gosto. Depois, depois quero-as todas em mim.

Fico com a certeza que há tanto para aprender, tanto para conhecer, tanto para viver… certezas que todos temos, mas que se calhar nem a todos incomoda como a mim… Nesses dias sinto-me perdida, aprisionada ao quotidiano e a quem me rodeia. Não que não goste do que faço, ou de quem me rodeia!
Não!
Amo. Amo cada um deles. Mesmo! Amo com paixão a minha família próxima e algumas pessoas especiais. Confesso que adoro a essência do meu trabalho, mas sinto que perco, que perco sempre em cada um dos dias da minha vida. Ninguém consegue abraçar o mundo! Ninguém consegue estar em todo o lado.
Eu sei que é irrealizável. Eu sei!
Então porque é que eu sinto esta avidez e intemperança por tudo o que não tenho, por tudo o que me contam, por tudo o que me mostram, por tudo o que descubro, por tudo o que me emociona?!?!
Estou apaixonada pela vida desde o primeiro minuto, mas irrita-me não ter o mundo nas mãos...

Nota: não é um manifesto de angústia, de depressão ou algo do género, até porque tu sabes que ando bem disposta, tanto que até me pedes que te contagie… é só uma sensação que tenho desde que me conheço…. Desde… desde sempre.

domingo, setembro 19, 2004

Estou a estudar, a ler, a escrever, a consultar, a compilar e no meio de livros, fotocópias, dossiers, consultas na net, sms’s e telefonemas, resolvi passear… Parar e dar uma voltinha pela blogolandia e perder-me.
Perco-me quase todos os dias, de blog em blog,
Descubro com regularidade pessoas diferentes, interessantes, próximas, semelhantes, distantes, contrárias e todas dividem esta nova paixão de manter um diário on-line. Todos têm algo a dizer….Descobri que há uma ética muito própria neste mundo, que há regras a respeitar, como há em todos os grupos e esferas.
Não falta informação nos blogs.
Tantas vidas e vivências traduzem obrigatoriamente um universo muito rico de pessoas que ouvem, aprendem, descobrem, ensinam e transmitem saberes, histórias, acontecimentos e memórias.
Conheço pensamentos, receios e anseios de pessoas que nunca vi. Compreendo-as. Partilho muito do que contam, muito do que sentem… aproximo-me porque me identifico. Sei quem são, o que fazem, onde trabalham, conheço as suas casas, os filhos, as comidas favoritas, as músicas que mais gostam, o nome de quem amam, o estado de espírito, as férias, as fúrias, as vitórias…. Mas nunca lhes vi os olhos, nunca lhes senti o toque, nunca os ouvi rir, nunca… Mas também não sei se o queria…

Os blogs somos nós. Nos blogs crescemos, aprendemos, pensamos, rimos, choramos, amamos, odiamos, desabafamos, discutimos a politica, os políticos e as políticas, conhecemos amigos, casais, casamentos, filhos, pais, tios, irmãos, infâncias, memórias, música, cinema, trabalho, arte, namoros, divórcios, inimigos, receitas e anedotas, humores, amores, e rumores……
Num blog partilham-se referências, medos, desejos, alegrias, conquistas, derrotas, passados, presentes e esperam-se… novos futuros!

sexta-feira, setembro 17, 2004

Não sei se todos nos sentimos assim, mas a mim invade-me de vez em quando, MUITO DE VEZ EM QUANDO, uma sensação estranha que me faz viver sentimentos e reacções de forma bipolar, tripolar, tetrapolar e depois.. sou tudo....... TUDO em poucos segundos....

I'm a bitch, I'm a lover,
I'm a child, I'm a mother,
I'm a sinner, I'm a saint,
I do not feel ashamed,

I'm your hell, I'm your dream,
I'm nothing in between,
You know you wouldn't want it any other way

I'm a bitch, I'm a tease,
I'm a goddess on my knees,
When you hurt, when you suffer,
I'm an angel under cover

I'm a nun I’m revived
Can't say I'm not alive
You know I wouldn't want it any other way
Não esqueças, a 14 de Abril de 2014, às 16H00, espero por ti no topo da torre Eiffel, para olhar a cidade luz de mão dada contigo. Depois.......... depois convido-te para um crepe. Pode ser de queijo. Quero poder ouvir o que tens para me dizer nesse dia, à chuva, numa qualquer Brasserie de Paris. E... NÃO ME DIGAS QUE NÃO GOSTAS DE CREPES.....

quarta-feira, setembro 15, 2004

Hoje estou assim AO RUBRO. Por tudo, por nada, pelo de sempre, pelo que não muda, pelo que não mudo. A hora está a chegar…..

terça-feira, setembro 14, 2004

Fui ver o filme “Nathalie”.
Longo, francês, forte, humano, principalmente humano. Vive das personagens, foca-nos, prende-nos nas suas emoções, à boa maneira francesa. Um filme erótico em que não vi cenas de sexo, em que tudo fica por ver, onde a palavra e as descrições preenchem o ecrã na íntegra.A História de Catherine, Bernard e Nathalie traduz distâncias, silêncios e omissões difíceis de explicar. Uma relação a dois onde se perdeu a cumplicidade, a proximidade e é através do afastamento e da libertação que Catherine vai reconquistar a intimidade com o seu marido. É por uma terceira pessoa que vai conhecê-lo melhor, saber como reage e o que o excita, preenchendo desta forma o vazio entre os dois.No final, foram os actores que retive na memória, à saída foi a suave banda sonora elaborada por Michael Nyman que me ficou no ouvido.A última cena deixou-me acreditar na mudança dos destinos dos protagonistas, mas fiquei sem certezas.
Era capaz de o voltar a ver!
Fui para jornalismo por ser viciada nos episódios da Murphy Brown. Era assim que eu sonhava ser: má, forte, correcta, rápida, profissional, competente, A MELHOR. O ritmo, as emoções e a vida sempre no limite.
Durante anos Murphy seduziu-me. Por ser uma jornalista de grande qualidade, mas sobretudo por ser uma mulher que desafiava sempre a sociedade. Murphy Brown causou polémica em meados dos anos 90 na sempre contrastante América, quando decidiu ter um filho sozinha.
Posteriormente, encontrei, quase por acaso, uma nova área de trabalho. Também esta aliciante e motivadora, cruzando dois mundos que sempre me fascinaram: a Comunicação e a Política.
Apaixonei-me e fiquei.

quinta-feira, setembro 09, 2004

Gosto mesmo de castanhas assadas :(
Dia não. No telejornal um agricultor estava a dizer que a colheita de castanhas será fraca. Logo agora. Pouca sorte…..
Este ano que planeava levar-te à aldeia e, no início do Outono, subirmos de mão dada a encosta, parar em casa da D. Maria, caseira dos terrenos, pegar num cesto, passar a correr pela cerca e descer outra vez até à Lagoa.
Aí iríamos rir à sombra dos castanheiros que os meus avós acarinharam. Eu iria fugir de ti, a correr, até à ribeira, mas com muito cuidado para não cair….
Depois, deitavas-te no chão a ler, e eu ficaria a olhar as nuvens e a inventar histórias de encantar para cada uma delas: castelos, dragões, fadas, monstros, vilões.
Ao fim da tarde levávamos todas as castanhas que conseguíssemos carregar e fugíamos para casa. Fechávamos a porta depressa, encerrando o mundo lá fora. Já dentro, com a lareira acesa e a casa de pedra habitada outra vez, podíamos viver só de nós e de castanhas assadas.
Mas no telejornal um agricultor estava a dizer que a colheita de castanhas será fraca. Logo agora. Pouca sorte………

terça-feira, setembro 07, 2004

- Quando chegar ligo-te. Prometo!
Passo pelo quarto, o João dorme. Afago-lhe os cabelos macios, respiro com ele alguns segundos, ao ritmo do seu sono descansado. Guardo também o cheiro dos seus sonhos e fecho a porta silenciosamente. No escuro brilham as estrelas que eu e ele pintámos no Verão passado, com a ajuda do Avô António.
Volto à sala, André permanece imóvel, enterrado entre as almofadas azuis, com os pés descalços, calças de pijama de algodão velho e gasto, – como ele tanto gosta – olhar triste, cabelo negro despenteado, t-shirt branca.
Respiro fundo. Oito anos depois de o conhecer, ainda sinto o coração a bater mais forte cada vez que encontro os seus olhos, cada vez que nasce em mim o desejo de me aninhar nos seus braços fortes, à espera que a sua mão grande me acaricie os cabelos encaracolados. Ainda me percorre um arrepio quando ele me canta ao ouvido, quando me leva pela mão para dançar e flutuamos pela sala.

Dou-lhe um beijo e toco-lhe na testa:
- Estás quente…. Era melhor não apanhares frio. Fica em casa estes dias….. Podias ficar, assim o João não sentia tanto a minha falta.
- Sabes que tenho reuniões importantes. Este projecto é crucial. Depois vamos de férias os três. Prometo. Onde quiseres.... até à tua querida Ilha das Cegonhas Azuis, de que tanto gostas!?
Olho-o com surpresa, mas ele continua
- Acredita. Só nós, sem telemóvel, sem internet, sem contactos.
André fala sem tirar os olhos da televisão, sem sequer reparar no meu desconforto, sem sequer reparar na sombra que por momentos me leva para longe……. Até uma praia na Ilha das Cegonhas Azuis.
Saudades!
Um sorriso, um último olhar e saio decidida rumo ao aeroporto.

Sempre gostei de partir para as minhas viagens como quem vai sem destino à procura de novas vidas. Sempre sonhei viver esta vida, aos retalhos, intensos, cosidos a linha forte, fios de um sentir só meu.
Quando chego os colegas já lá estão. Habituados como eu a viagens de longo curso, nada interfere na nossa rotina de não ficar muito tempo, de deixar a família, de viver com a mala feita, sempre prontos a partir. Ana, além de colega e cúmplice é a minha melhor amiga. A única com quem partilho pecados, fraquezas e segredos. Recebe-me com o mesmo ar de desconforto de outras partidas e chegadas, mas sem nunca me julgar. Como em tantas outras ocasiões lanço mão da mesma resposta, do mesmo olhar, da mesma força.
- Já não me conheço de outra forma. Deixa-me estar!

O voo decorre sem sobressaltos. Catorze horas pela frente.
Estou impaciente. Saboreio lentamente este regressar. Já a sentir a brisa quente da Ilha a bater-me no rosto, já a desfrutar do doce torpor do tempo que passa devagar. Ali a vida pára e cada um cria o seu ritmo. Escolhi este percurso há anos entre os voos de longo curso. Para o fim do mundo, como lhe chama o André, sem compreender este meu apego. Manter este destino tem sido uma bênção, os céus conspiram a meu favor. Tempos houve em que tive que mover influências, mas não foi difícil convencer os colegas, que preocupados com a família que cresceu ou movidos pelo desejo de uma rotina menos quebrada, rapidamente preferiram percursos mais curtos, mais rápidos, menos demorados, que impusessem menos ausências.

Apaixonei-me pela Ilha logo na primeira viagem. Depois voltei, não só pela magia do local, mas principalmente pelos cheiros, pela calma, pela hipnose que me subjuga e chama, pelo calor, pelo mar. Mais tarde pelo aroma do peixe grelhado ao alho, especialidade do Stefano, pelo silêncio da Casa Amarela rasgada sobre a Praia das Pedras Perdidas, pelos espanta-espíritos que ondulam ao sabor do vento, na janela da varanda, ainda pela luz que entra ao amanhecer no quarto azul, com as estrelas iguais às do João, pintadas no tecto, pelos pequenos almoços…… pelas leituras saborosas no alpendre sob o sol do início da tarde.
Apaixonei-me no primeiro minuto pelo olhar, pela vivacidade, pela alegria traquina, pelos cabelos de mel, pela pele morena, pelos olhos sorridentes atrás dos óculos de metal, pela teimosia de tentar fazer um jantar romântico à luz das velas, sem ajuda. Apaixonei-me todos os dias em que vivi com ele.

Saio com a bagagem da zona dos passageiros e avisto imediatamente, no meio da multidão, a figura alta de Stefano. Aperta-me. Estou em casa.
Três dias na ilha. Passam sem pesar. Leio os novos capítulos do livro que o Stefano está a escrever. Costuma dizer-me que sou a sua melhor crítica, mas o livro que tem em mãos actualmente da-lhe um prazer especial. È um desafio duplo, o desafio da sua vida.

De novo no aeroporto, já de malas na mão procuro um presente para o João, mais um golfinho para juntar às centenas de baleias, tartarugas, cachalotes, leões marinhos, peixes coloridos, polvos de todos os tamanhos, tubarões e estrelas do mar, bichos que colecciona. Também ele partilha a minha paixão pelo mar. Telefono para casa do aeroporto.
- André?
É tão bom voltar a ouvir a sua voz forte e quente que me assegura que está tudo bem, que a minha vida está à espera. A casa cheia de brinquedos do João, o abraço terno do André, o sorriso de boas vindas dos pais, até o ronronar da tareca me faz falta.
No avião, os dias que partilhei com Stefano não me saem da cabeça. Recordo a viagem de balão, a escalada nocturna à montanha, os quadros que adoro pintar e que depois povoam a nossa casa, o projecto do Hotel do Farol que está quase pronto....

Chego a Lisboa e corro para casa. Abro a porta e são os braços do André que me recebem. Saudades! Tantas saudades! Tantas.... em todos os minutos. Mal consegui esperar para pegar no meu bebé, para o encher de beijos, para o apertar contra mim. O jantar em família trouxe-me calma e harmonia. A presença do André ao meu lado, sossega-me, protege-me, o seu amor alimenta-me e dá-me forças. Agora pela frente tenho quatro dias para acompanhar o João, para apreciar a casa, para saborear os nosso serões a dois, para festejar o aniversário do Pai, para comprar um presente especial para o meu Stefano.

Mais uma vez de partida, na rua, a caminho do aeroporto dirijo-me para o carro e sorrio.
Esta é a vida que me tocou, o puzzle que criei para apagar a angústia de querer viver todas as vidas. Multipliquei-me, dividi-me, completei-me, aqui, ali, além. Perdi-me no medo do mundo não me chegar. Encontrei-me na certeza de saber que dentro de mim são muitas as pessoas, as almas, os quereres. Retalhos que colo todas as noites antes de adormecer.
É assim que eu quero ser amada.
Li este livro por curiosidade, foram várias as pessoas que se referiram a esta obra de Vergilio Ferreira como O livro das suas vidas. Gostei. Marcou-me.Não sei se é o livro da minha vida....

"Vou-te amar intensamente como nunca. Amei-te com avidez e precipitação impreparação juvenil. Havia uma distância enorme de premeio e eu tinha de a preencher. Amei-te depois com luxúria como se diz no catecismo. E amei-te com o cumprimento de um horário semanal. Com raiva humilhação quando andaste, nem sei se andaste lá com o teu colega patarata. E porque é que não sei? Minha querida. Tinhas um grande orgulho ou vaidade no teu corpo, e desde a história do Bem sei lá o que tu querias. Seduzires, dares aos outros a possibilidade de partilharem do maravilhoso de ti e acirrares-me, domesticares-me obrigares-me a ajoelhar. Silêncio – e já falei tanto. Vou pôr na rua da lembrança tudo o que não for a tua nudez, a amargura, vexame, sofrimento. Mesmo as alegrias que não são para aqui. Mesmo os filhos que também não – a vida inteira que passou. Preciso tanto de te amar – e como te vou amar? Não sei. Vou-te amar no infinito da tua perfeição”

Vergílio Ferreira
In Em Nome da Terra

segunda-feira, setembro 06, 2004

A sedução do PODER

Li este fim-de-semana uma notícia que dava conta do desagrado do nosso único prémio Nobel da literatura pelo trabalho feito pelo Presidente da Republica Federativa do Brasil. José Saramago está descontente com as políticas seguidas por Lula da Silva. O outrora representante dos sem-terra, vive hoje, na opinião de Saramago como um outro homem. Diferente daquele que chegou ao poder, já pouco preocupado com as políticas sociais tão necessárias para o país que dança empunhando as cores verde e amarelo sob a sigla Ordem e Progresso.
http://jn2.sapo.pt/textos/out70811.asp
Mais um “ilustre” que defende que o poder muda, que o poder modifica altera, corrompe, conquista. Lembrei-me de um livro que li há muitos anos, mas que pelos vistos retrata a sociedade dos dias de hoje. “Animal Farm” de George Orwell, do mesmo autor de 1984. Uma crítica social intemporal àqueles que lutam pela conquista do poder e que depois se transformam naquilo que tanto criticaram.

“O Triunfo dos porcos” conta a história de uma quinta onde os animais trabalhavam e produziam e, como em todas as quintas, eram os humanos que usufruíam dos bens, da produção, do conforto.


"Man is the only creature that consumes without producing. He does not give milk, he does not lay eggs, he is too weak to pull the plough, he cannot run fast enough to catch rabbits. Yet he is lord of all the animals. He sets them to work, he gives back to them the bare minimum that will prevent them from starving, and the rest he keeps for himself."


Reunidos os animais, organizados e esclarecidos os “bichos” começou a revolta, faseada, pensada, calculada para vencer Mr. Jones, proprietário, dono e senhor da Manor Farm.
Ora numa boa revolta não falta um líder forte que se destaque, neste caso da família dos porcos. Napoleão porco rosado e forte conduziu os animais ao poder, à conquista da liberdade, expulsando os humanos, fazendo alianças com os agricultores vizinhos, gerindo a quinta.
Mas como na casa estaria mais confortável mudou-se para lá com malas e família. Como estava frio passou a vestir-se como um humano. Como era um ser superior começou a caminhar sobre as patas traseiras. Como era necessária alguma organização passou a mandar. Não porque quisesse ou gostasse, mas porque sendo ele o mais inteligente e o mais forte, viu-se obrigado a isso, para bem de todos.
E os animais da quinta continuaram a ter a mesma vida de sempre, agora sem Mr. Jones, mas sob as ordens do novo líder Mr. Napoleão Pig.

"But they had not gone twenty yards when they stopped short. An uproar of voices was coming from the farmhouse. They rushed back and looked through the window again. Yes, a violent quarrel was in progress. There were shoutings, bangings on the table, sharp suspicious glances, furious denials. The source of the trouble appeared to be that Napoleon and Mr. Pilkington had each played an ace of spades simultaneously.Twelve voices were shouting in anger, and they were all alike. No question, now, what had happened to the faces of the pigs. The creatures outside looked from pig to man, and from man to pig, and from pig to man again; but already it was impossible to say which was which."

quinta-feira, setembro 02, 2004

Conhecer-me

Gosto de saber quem sou, gosto de me saber em poder de algumas certezas que depois altero, adapto, perco, encontro ou reencontro ao sabor da Vida.

Gosto!

Gosto de ler, beijar e dormir; de café e bolo de bolacha; de manga, morangos e queijo fresco; de escorregar e não cair; de abraços e amassos; de sorrir com os olhos; de mel; de não ter horários; de inventar, confiar, dançar e conquistar; de silêncio e música alta; de cidades grandes e casinhas perdidas na montanha; de cadernos novos; da comidinha da minha mamã; de sestas; de férias; de CHOCOLATE NEGRO; de andar de baloiço e saltar à corda; de saladas, de lareiras acesas, de conversar e da minha família; de banhos de espuma, do céu estrelado, da lua cheia e de noites de Verão; de teatro, cinema, óperas, concertos, ballet e cartas de amor, de TI; de rosas encarnadas e carnudas; de camarão e lagosta, de trabalhar com garra e vontade; de couves de bruxelas e brócolos; de botas, sapatos, sandálias e gelados; de agentes secretos, espiões e História; de desenhar e pintar; de bolo de chocolate e África; de ouvir, descobrir, experimentar, passear, aprender, crescer e andar à chuva; do mar, de correr na praia e da minha cama; do cheirinho a lavado e de fotografias antigas; de Londres, Faro, Lisboa, Paris, Nova Iorque e Barcelona, de espelhos e histórias de encantar; de cavalos, patinhos, cães e bambis, do cheirinho a bebé, de iogurte, de namorar e de escrever.
Gosto muito de escrever.
Descobri a cor :) Agora sou o Arco-Íris