sábado, outubro 30, 2004

Todos os dias

Quero roubar-te os livros
Ficar presa às musicas que trauteias

Quero perder-me nos teus filmes
Estar cativa dos pensamentos da tua memória

Quero amar-te no mundo
Deixar-me ficar no jardim à tua espera

Quero sentir-te o gostar
Alimentar-me da tua alma, suor e sangue

Quero prender-te o respirar
Permitir-te uma alma apenas quando eu quiser.

Quero contar-te as rugas
Conhecer-me no tom da tua voz

Quero tocar-te nas mãos
Aninhar-me nos abraços que me estendes

Quero ter o sol, a lua e o mar
Entregar-me à vida todos os dias

sexta-feira, outubro 29, 2004

Magia pura
É madrugada, acordo e sinto o silêncio à minha volta. Costumo acordar muito cedo. Não é novidade, mas desta vez há algo diferente. Levanto a cabeça acima dos autocolantes coloridos agarrados à madeira branca da minha caminha e espreito. Como é possível? Ele passou por aqui e eu nem me apercebi.
Saio da cama devagar. Aproximo-me lentamente. Passo a mão pelo veludo azul escuro, sinto-lhe o cheiro a novo, tem umas rodas grandes muito reluzentes. É lindo. Um carrinho de bebé lindo. O mais bonito que eu vi na vida. E é meu. Só meu. Lá dentro está um chorão com a face rosada, o mesmo que eu ainda hoje guardo com carinho. E mais uma boneca de cabelos longos, jogos e loicinhas, livros e tantos, tantos outros brinquedos. É Natal. Tenho quatro anos, talvez cinco, não me consigo lembrar se o meu irmão já dorme na caminha azul, ali perto de mim. Na minha memória só vejo o carrinho azul, o chorão, a boneca dos cabelos sedosos. Só sinto o cheiro a novo.
Prendas da Mami, da Mamã, dos tios, de todos os que me mimavam por aqueles dias.
O Pai Natal passou pelo meu quarto nessa noite. Foi magia pura tenho a certeza.

quinta-feira, outubro 28, 2004

Vidas
Há algum tempo a minha vida mudou. Mudou radicalmente. Lentamente, quase sem eu dar por isso instalaram-se outras rotinas e hábitos. Ganhei novos prazeres mas também novas obrigações e pressões. Há grandes vantagens nesta nova vida. Mas por muitos e diferentes factores tenho saudades de partes da minha vida antiga. De pequenos nadas que às vezes são tudo. Não sei porque perdi aquela vida. Ou pelo menos as partes que eu gostava. Ganhei esta que tem muito de novo e de desafiador, de aliciante e enriquecedor, mas tem igualmente algo de desgastante, de incómodo, de inquietante. Não sei onde, mas perdi alguma coisa neste caminho. Às vezes penso se poderei ainda voltar para trás ou se o quereria! Às vezes percebo que se calhar já não sei o caminho de volta.
E se aquele caminho antigo já não for o meu? E se eu não já pertencer a lugar nenhum….

terça-feira, outubro 26, 2004

Blogo-excluídos. Eles andam aí….

Ontem no meio de uma conversa de amigos, colegas e conhecidos declarei que tinha um novo hobby. Lá estava eu entusiasmada a explicar que me tinha rendido à blogosfera e perdida nas minhas palavras, entusiasmada nos meio de tantas reflexões não reparei nos olhitos esbugalhados de quem me ouvia…
Tenho que escolher melhor o meu público (nota mental). Então não é que no meio daquela malta não havia uma alma, sim, uma única alma que soubesse o que é na realidade um blog, e o divertido que se torna escrever e partilhar o que nos vai no espírito, no pensamento, na vida. Fiquei perplexa. Lá me recompus e dediquei-me à árdua tarefa de explicar o que é um blog. Foi difícil.
Aqueles e aquelas que ali estavam, jovens profissionais de carreiras promissoras estão a perder parte do admirável mundo novo de hoje, terão porventura outros interesses, mas porquê não tentar ter tudo? Desejar conhecer, conquistar, dominar o máximo do que está afinal ali, à distância de um simples clique.
No final ficaram mais esclarecidos, mas AINDA não os convenci.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Play it again Sam!

You must remember this / A kiss is still a kiss / A sigh is just a sigh / The fundamental things apply / As time goes by. / And when two lovers woo, / They still say, "I love you" / On that you can rely / No matter what the future brings

We'll always have Paris....

terça-feira, outubro 19, 2004

Keep Walking

A primeira vez que o vi fiquei parada, olhos muito abertos, atenta. A música, as imagens, o movimento envolveram-me, hipnotizaram-me. Este encantamento durou alguns minutos. A publicidade fascina-me, quando é inesperada, quando é de qualidade, quando é forte, dinâmica e segura. Estava entretida em mais um zapping quando o som me fez deter

No meio do oceano profundo, com uma banda sonora misteriosa, um grupo/cardume de criaturas nada, rodopia, brinca a grande velocidade. O plano aproxima-se e percebem-se traços humanos nesses peixes estranhos que se vêem envolvidos num turbilhão, muitas léguas abaixo da superfície do mar. De repetente, os humanos que parecem peixes começam a nadar muito depressa, assemelhando-se a golfinhos… Entrando numa baía, um deles sente a areia no fundo do mar, a praia está ali, o primeiro ergue-se das águas e começa a andar… outros peixes/homens seguem-lhe os passos… Keep Walking

Keep Walking, Johnnie Walker. Esta campanha do whisky Johnnie Walker está fabulosa. FABULOSA. Descobri que é da autoria da Agência BBH – Bartle Bogle Hegarty, e merece o meu aplauso como apreciadora crítica de publicidade.

Acho que gostei desta publicidade porque me fez transportar para a Atlântida perdida, porque se passa no fundo do mar e porque sinto sinceramente que é lá que pertenço, no meio daquele silêncio infinito e depois porque gosto MUITO, MESMO MUITO do mar.
Banda sonora: Perfect dos Fairgroung Attraction

It's got to be perfect
It's got to be worth it
Too many people take second best
But I won't take anything less
It's got to be pertect
Perfect

segunda-feira, outubro 18, 2004

Chove
Mas a mim que me importa
Se eu estou aqui abrigada nesta porta
Chove
Mas a mim que me importa
Se é do destino de quem ama ouvir um violino até na lama.

(não é meu este poema, decorei-o há alguns anos... mas sempre que chove começo a declama-lo baixinho... de mim para mim...)
Oh deixa ver outra vez!... Oh deixa lá

Sou pequenina outra vez. É sábado de manhã. Tenho torradas e leite com cola cao. Estou eu e o meu mano prontos a viajar no tempo, no espaço, na imaginação. Vai começarrrrrrrrrrr e ficamos os dois colados ao ecrã e o conan enche a nossa vida.
Conan, o Rapaz do Futuro” ….. ano de 2008 rebentou a Terceira Guerra Mundial… mas agora posso ver as mesmas histórias sem ter que voltar a ser pequenina .... Sempre que eu quiser… Sempre. Posso?? Não posso???
:) Ele deixa.

domingo, outubro 17, 2004

Tarte de Maçã

Entrei. Esperei que eles se distraíssem e depois escondi-me atrás do restaurante de portas azuis, enquanto uma gaivota cortava os céus e concentrava atenções. O mundo fechou-se atrás de mim, prendeu-me no tempo. O barulho no porto abafou a minha ansiedade e o apito de um navio a chegar fez-me esquecer o bater do meu coração. O sol brilhava e os marinheiros perdidos por ali, cantavam… Virei-me e descobri um prado enorme que se estendia do rio até às casas mais acima. Verde, muito verde. Aqui e ali rodas de crianças que cantavam e dançavam.
A terra do Nunca dava-me as boas vindas. Estava calor, mas sabia bem, fazia-me esquecer o Inverno e a chuva dos últimos dias. Sentei-me num banco de madeira envernizada, ao lado de uma menina de vestido azul e lacinhos brancos. Ofereceu-me um rebuçado de mel. Doce, muito doce.

Fiquei à espera que o mundo viesse ter comigo, na expectativa de viver o que ali vim encontrar. Aguardei. Nada. Não aconteceu nada. Ao longe ouvi uma melodia que ondulava no vento. Levantei-me e segui o som. O vento trazia notas e sabores: tarte de maçã. Cheirava a tarte de maçã. Continuei a andar. Sabia onde queria ir.
A casa branca estava no mesmo lugar de sempre. A avó veio à janela e sorriu-me. Eu estava ali, parada, quieta, com os olhos a quererem soltar as lágrimas contidas a custo. A música tinha parado, era a avô que estava ao piano e agora à janela, imóvel, observava-me.
O barulho dos miúdos quebrou o silêncio. Olhei e vi-me. Pouco mais de um metro e trinta, passei a correr, de trancinhas e jardineiras de ganga, seguida de perto pelo Eduardo e pelo Pedro, os primos gémeos. A avó estranhou ver-me ali, parada no seu jardim. Atenciosa como sempre foi, até com estranhos, convidou-me a entrar. Percebeu que estava perdida, compreendeu que eu precisava de encontrar o caminho de volta.
Sentei-me à mesa, no meu lugar, sim, à esquerda do avô, foi sempre este o meu lugar. Em cima da mesa havia chá preto, tarte de maçã e leite com chocolate para as crianças… Lembro-me de querer provar o chá que a avó servia com cuidado no bule inglês que o avô comprou numa das suas viagens, mas os miúdos não bebiam chá preto. Lembro-me de acompanhar a avó e ficar a acenar enquanto o avô partia de navio para longe. Lembro-me de desejar partir com ele.
Agora, de volta à sala olho em volta. A lareira, as fotografias em cima da mesa pequenina, a tolha azul, o tricot esquecido em cima do sofá, as almofadas amarelas, os livros de histórias à nossa espera….
A avó não faz perguntas, olha-me ternamente e serve-me uma fatia de tarte. Eu, curiosa como sempre, entro outra vez na sala a pretexto de me servir de mais tarte. Fico, de olhos muito abertos a olhar-me. Sento-me no meu colo e pergunto quem sou. Sorrio e respondo-me que sou uma menina de trancinhas à espera de crescer e partir num navio para longe…
Á saída espreitei para o escritório, o avô estava lá. Dormitava na sua poltrona favorita. Pé ante pé, aproximei-me e dei-lhe um beijo suave na testa. Tinha tantas saudades do avô.
Já no jardim agradeci a amabilidade da avó. Antes de partir abracei-a com muita força e, naquele momento, posso jurar que ela me chamou pelo nome. O mesmo nome da menina de trancinhas e jardineiras de ganga que continuava a correr e a brincar no jardim, à espera de crescer e de partir um dia, num navio para muito longe….
Quando deixei o porto, quando passei pelo restaurante de portas azuis, no mesmo momento em que a gaivota rasgava os céus, quando o sol se punha no horizonte, percebi que podia voltar a casa. E o mundo abriu-se para eu entrar outra vez. Afinal, eu só precisava de um chá preto e de uma fatia de tarte de maçã da avó.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Não posso esperar!

É no fim dos séculos que se vive o maior frenesim de criações. É no início de novas épocas que se conhecem os desafios mais arrojados, mais audazes. Num tempo sem tempo, entre o acabar e o começar, entre o passado e o futuro, esquece-se o agora e olha-se para a novidade, para o querer fazer e mostrar. Procuram-se obras que fiquem e façam história. Lançam-se inquéritos e sondagens ao que se deseja, resume-se o que já foi, para legar aos vindouros uma vida arrumada. O século XXI chegou e já todos esquecemos que vivemos um momento particular, protagonizado de 100 em 100 anos. Somos definitivamente herança do século passado.
Hoje estranho quando me vejo no meio da multidão e me percebo, aos olhos dos outros, como pertencente ao grupo dos adultos… Mas quando é que isto aconteceu? Quando é que o século XXI me trouxe a maioridade plena!? Como é que sem eu perceber, devagarinho, muito devagarinho deixei de ser a geração de amanhã para ser A GERAÇÃO DE HOJE!

quarta-feira, outubro 13, 2004

A minha vida em 100 palavras

History begins today. E se eu guardasse para sempre, na Library of Life, a minha história, resumida em 100 palavras, arquivadas ao lado da minha fotografia, para fazer a história do mundo? E se hoje fosse o início do levantamento de todas as pessoas que vivem no planeta? A ideia não é minha….A Cruz Vermelha quer desafiar a humanidade a escrever a sua biografia. Quem não tiver poder de síntese e quiser incluir todos os pormenores da sua vivência será penalizado com uma multa de 30 dólares. Esta verba será depois encaminhada para os projectos da Cruz Vermelha. Este programa foi lançado hoje e merece alguma atenção. Participar

terça-feira, outubro 12, 2004

away

Às vezes apetece-me pegar em mim e subtrair-me. Colocar-me em pausa. Só em mim e sair. Ficar ausente da vida, AUSENTE sem consequências, suspensa, mas a viver outra dimensão. Deixar o tudo, o tanto, o muito, o pouco e viver só de nada. Nadas acumulados, nadas cheios de prazer e intensidade.
Pegar em mim e na mala do que sinto, do que quero, do que desejo e embalar a vida que tenho, colocá-la à espera com o rótulo SEGUE DENTRO DE MOMENTOS. Sem que ninguém se aperceba, sem entristecer quem comigo divide o mundo. Sem fugir, sem me esconder, sem renunciar, sem desistir, sem trair. Parar apenas. Descontinuar, adormecer, estar sem estar. Fecho a porta e aviso: VOLTO JÁ. Poder escolher o melhor, absorver o que vale a pena, ignorar o que não interessa e regressar.

segunda-feira, outubro 11, 2004

Pretérito Imperfeito

A tua rua por ser tua era a minha também
A tua casa por te ter a ti tinha-me também
A tua vida por ser nossa mantinha-me viva também
O teu coração por me ter dentro era-me vital também

Aquela rua por já não ser tua é uma rua qualquer
Aquela casa por já não te ter é uma morada qualquer
Aquela vida por já não ser nossa é um viver qualquer
Aquele coração por ainda ser teu é um coração qualquer

Que o dia que passa me leve para longe do passado
Que o tempo que corre me traga espaços diferentes
Que a noite me impeça de olhar-te de perto
Que o mar não me deixe ouvir-te cantar
Que a chuva lave a imagem que tenho de ti
Que o sol aqueça a vida que ainda há em mim
Que o vento me traga um novo amor

sábado, outubro 09, 2004

Vi e gostei, mas foi estranho…

O espectáculo
Berimbaum" é inteiramente dedicado à obra de Vinicius de Moraes, apresenta elementos electrónicos que alteram um pouco a obra que Vinicius fez com seus principais parceiros: Tom Jobim, Baden Powell, Chico Buarque, Carlos Lyra.
Paula Morelenbaum agora a solo depois de ter trabalhado no quarteto Jobim- Morelenbaum, encantou…
Do palco chegaram-me temas como
Berimbau, Brigas nunca mais, Primavera, Você e eu, Só danço samba, Chega de saudade, Medo de amar e a mais triste melodia de amor que ali ouvi……


Insensatez
Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim

Ah, insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor o seu amor
Um amor tão delicado

Ah, por que você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração, quem nunca amou
Não merece ser amado

Vai, meu coração, ouve a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade

Vai, meu coração, pede perdão
Perdão apaixonado
Vai, porque quem não pede perdão
Não é nunca perdoado

sexta-feira, outubro 08, 2004

25 anos

Vinte e cinco anos a cantar merece algum reconhecimento. Os Xutos e Pontapés estão de parabéns. Encontrei-os muitas vezes, em diferentes palcos, em diferentes cidades, com companhias diferentes, mas a atitude foi sempre a mesma. Cantar, saltar, não esquecer o lenço vermelho nem as calças de ganga.

Circo De Feras
by Xutos & Pontapés

A vida vai torta
Jamais se indireita
O azar persegue
Esconde-se á espreita

Nunca dei um passo
Que fosse o correcto
Eu nunca fiz nada
Que batesse certo

Enquanto esperava no fundo da rua
Pensava em ti e em que sorte era tua
Quero-te tanto...(quero-te tanto)
Quero-te tanto...(quero-te tanto)

Do modo que a vida
È um circo de feras
Miudos entretanto
Com as minhas feras

Nunca dei um passo
Que fosse o correcto
Eu nunca fiz nada
Que batesse certo

quinta-feira, outubro 07, 2004

Lolita
“Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu-da-boca abaixo e, no terceiro, bate nos dentes. Lo Li Ta.”

Assim começa o filme. A voz grave e pausada de Jeremy Irons e um grande plano do seu olhar perverso, profundo, corrompido….

Sem programas assumidos acabei a ver o filme Lolita. Já li o livro de Nabokov há algum tempo, mas tenho a história bem presente, os diálogos, os pormenores. Estava de férias na altura.
Lembras-te?
Li-te várias passagens. Discutíamos o que líamos no fim.
A pedofilia, a responsabilidade de Humbert em toda aquela aventura doentia, a postura da criança e o seu posicionamento pró-activo, a perda da inocência de Lolita ou a sua inocente curiosidade, ainda a vontade de experimentar, dominar e explorar.
Vladimir Nabokov criou com esta obra polémica, lançada em Paris, na década de 50, um novo rótulo, uma nova definição para o universo feminino. O Complexo de Lolita passou definitivamente para os compêndios de psicologia, está agora associado à sedução.
Vi o filme por acaso mas no fim foi para o livro que os meus pensamentos voaram. Prefiro as palavras escritas, prefiro imaginar cenários, expressões, perceber e descobrir nas entrelinhas as minhas próprias conclusões.

domingo, outubro 03, 2004

twilight zone...

Curiosamente o comboio hoje vem quase vazio, as janelas abertas deixam o ar circular, consegui sentar-me calmamente. Arrumei com cuidado a pasta preta, enorme, com as plantas da casa do Eduardo. Logo vamos ter uma reunião, a última, antes do projecto arrancar no terreno. A casa do Pinhal com as suas janelas rasgadas a poente vai ser convidativa a trabalhos e criações. O Eduardo está satisfeito, sei-o bem, já se imagina a pintar os seus quadros no atelier envidraçado, com vista para a piscina. Aliás, esta cumplicidade entre nós começou ainda no liceu, quando partilhávamos segredos, conquistas e equipas de futebol. Depois seguimos rumos diferentes. Mas as nossas vidas encontraram-se muitas vezes. Sinto-me tio da Mariana e do Afonso, quase pai, brinco sempre que se tivesses filhos eram estes os nomes que escolheria. Sinto-me quase irmão da Maria. A doce Maria que conquistou para sempre o coração do Eduardo.
Concentro-me no livro, tenho ainda meia hora de viagem. Estou a ler o Código Da Vinci. Por diversão, por entretenimento. A leitura descontrai-me, é de resto um dos meus maiores vícios. O Eduardo não se cansa de me avisar:
- Quando encontrares a mulher da tua vida, Bruno, quando os filhos saltarem para o teu colo, quando o sol e os passeios em família chamarem por ti, bem, aí deixarás de ter tanta disponibilidade para os livros….
Eu sorrio, concordo e mergulho nos livros outra vez.

O comboio continua o seu percurso, mas de repente ficamos às escuras. Que estranho, não me lembro de nenhum túnel nesta zona, até porque se houvesse um túnel o comboio estaria iluminado. Os segundos passam e continuamos na escuridão total. Não noto qualquer agitação entre os outros passageiros, o silêncio enche a carruagem.

Finalmente saímos do túnel. Estranho! Não me lembro mesmo deste túnel… Mas volto calmamente à minha leitura. No entanto, antes, olho de relance para os miúdos, estão bem. A Mariana brinca com a boneca de trapos de tranças amarelas e o Afonso dorme sossegado. Sorrio e concentro-me no livro. Faltam poucos minutos para chegarmos.
O comboio pára, marco a página, fecho o Código Da Vinci, pego na cadeirinha do Afonso, agarro a Mariana pela mão e saímos. Antes de chegarmos ao carro ouço a Mariana perguntar:
- Mãe de quem é essa pasta preta?
Só nessa altura vejo uma pasta preta, grande com plantas e esboços lá dentro. Não faço ideia porque carrego esta pasta como se fosse minha…. Devo ter ficado com ela no comboio. Mas estávamos sozinhos…

sábado, outubro 02, 2004

A LUA é minha

Vim buscar um copo de leite e bolinhos de canela. A avó veio atrás de mim, até ao quintal:
-Lavaste as mãos?
-Avó não tenho tempo, não me interrompas!!!
Voltei atrás, dei-lhe um beijo e regressei ao meu projecto…
Tenho estado o dia todo aqui fora ao sol, está calor… O tempo continua abafado, mas o quintal da avó Carolina é fresco, rodeado de árvores altas. Um achado. Entra-se ali e nem parece que estamos no centro de Lisboa.
Estou a construir uma Arca de Noé.
Bem, começou por ser uma Arca… agora é uma Nave….. Um foguetão que me vai levar à Lua… O António e o Sebastião não acreditaram e não me emprestaram a mala nova repleta de ferramentas reluzentes, lindas, com cabo de madeira vermelha. Não faz mal, também não os levo para a lua. Não levo. Está dito!
O avô Joaquim ajuda-me.
Ele disse que mal chegasse do trabalho vinha brincar comigo. È tão engraçado o avô. Pensa que vamos brincar. Mas este é um trabalho muito sério, quase científico.

Está tudo aqui, agora é só encaixar, montar e ao fim do dia já devo ter a minha nave…. VAI FICAR LINDA
Tenho peças da mota velha do namorado da Isabel, da máquina de costura da tia Etelvina, do secador da Rosa, plasticina colorida e um carrinho de pedais. Tesouros que eu guardei no baú da casinha do jardim. Desde que correu a notícia no bairro têm sido todos tão gentis… chamam-me e oferecem-me sempre peças maravilhosas, máquinas avariadas, ferros de engomar que não funcionam, telefonias antigas….eu levo tudo. Podem fazer-me falta.
Eu sei que eles estão conscientes que eu vou para a Lua, e sei também que ficam um bocadinho tristes por não irem também….

Já passaram muitas horas e a minha Nave está quase pronta….
Quando eu estiver na Lua logo à noite, vou dizer adeus ao António e ao Sebastião, vou sorrir para a avó Carolina e vou trazer uma pedrinha para o avô Joaquim.
Quando eu chegar à lua vou olhar para trás e ver o mundo pequenino….
Quando eu chegar à Lua vou falar com o sol e com as estrelas, mas agora…. agora vou jantar e dormir porque estou tão cansada!!!!